ALERTAS SEM AMARRAÇÕES


Outro dia, almoçando num restaurante de excelente comida caseira, fui abordado por pais de um ex-aluno, que relataram os sofrimentos de uma parenta com um filho que não queria nada com nada e que vivia peraltando com uma turma de riquinhos, todos dele brothers, mas que já o tinham deixado em inúmeras situações vexaminosas, por ele não ser contacorrentemente bem dotado. E a senhora me garantia que os pais do adolescente não mereciam isso, pois tudo tinham dado ao filhote, hoje um quase marginal, com um pé na cela e outro na cova.

Com a franqueza às vezes nunca sutil que Deus me deu, fiz ver àquela senhora que o atendimento integral a todos os caprichos materiais de qualquer jovem, seguramente o tornam uma pessoa sem qualquer capacidade de exercitar um mínimo esforço pessoal, transformado em ator de vida nulificante. E que o José Ângelo Gaiarsa, psiquiatra de mesmo, diz sempre nas suas palestras, que os maiores inimigos de jovens e adolescentes são os seus pais, quando socialmente abiscoitados e religiosamente alesados.

Agradecendo a confiança depositada e enviando um abração ao ex-aluno, hoje Administrador de bom calibre técnico-emocional, encareci à senhora que transmitisse aos pais do produto deles algumas diretrizes que me pareceram adequadas para o caso: 1. Buscar cumprir seus deveres de pais reconhecendo que as vitórias e derrotas do filho são dele, nunca suas; 2. Ensinar o jovem a ir além do apenas saber pescar, fazendo ele perceber que toda caminhada exige compromissos e sacrifícios, os sucessos fáceis sendo ilusões às vezes fatais; 3. Orientá-lo para uma espiritualidade sadia, não forçando uma prática religiosa, quase todas elas encharcadas de hipocrisia ; 4. Sempre com ele dialogar sobre as as coisas do mundo, sem moralismos piegas, tampouco nostalgias pernósticas, do tipo “no meu tempo as coisas eram melhores”; 5. Esclarecer para ele a diferença entre sexismo e sexualidade, bem como a diferença gritante entre civismo e patriotada, moderno e modernoso, orientação e reprimenda, disciplina e autoritarismo.

Aproveitei o momento para salientar que tais dicas eram também para elas, as que se imaginam sedutoras do mundo, piercing nos seios, saia quase explicitando o vídeo como sinal de prafrentismo, ainda que portando uma cuca asinina, sem reflexão de espécie alguma. E que errar não é coisa do outro mundo, bastando eles, os pais, recordarem suas infâncias e adolescências, quando a hipocrisia era bem mais acentuada, tudo se fazendo por debaixo dos panos, das saias, atrás dos muros, nos luaus de mentirinha e nos discretos caramanchões que acoitavam trepadeiras e garanhões, sob fingimentos mil e disfarces os mais angelicais.

Que aos filhos não sejam oferecidos mapas, mas bússolas, posto que, hoje, os caminhos são outros, multifacetários todos. E que topada só bota pra frente. E que Justiça e Cadeia não foram feitas apenas para negros, pobres e prostitutas. E que ter dinheiro é apenas uma questão de momento, que digam as grandes empresas imobiliárias norteamericanas que, recentemente, desmoralizaram ações e investidores, causando um baita estremecimento planetário.

Entendam os pais dos jovens a lição do Lulu Santos, na letra da sua música famosa: “Nada do que foi será, de novo do jeito que já foi um dia”. E que saibam se reestruturar comportamentalmente, não vendo em tudo apenas o ter, mas o ser, este bem mais estruturador que aquele. E que, no caminhar, percebam-se metamorfoses ambulantes, tal e qual o roqueiro Raul Seixas, que se bandeou para a Eternidade assimilando como ninguém o “espírito da coisa”.

Acredito que todo ser humano desprovido de uma mínima cultura humanística muito se assemelha aos pais que, retirando-se da frente do espelho, onde só contemplam seus próprios corpos sarados, logo escamoteiam deveres, direitos e potencialidades. E nada buscam assimilar para corretamente interpretarem as características de seus amanhãs, tornando-se inaptos para um agir reflexivo.

As consequências emergirão de alguma maneira: sem um agir cidadão, pais e filhos caminharão alienados pela vida afora, ratificando parâmetros consagrados: mente carecida de criticidade, futuro sem alicerces, existência nunca prazenteira, apesar dos físicos siliconizados, Pilates e outras estrovengas apenas corporais. Tudo resultando em incontáveis lamúrias, culpas e farpas, fingidas a maioria, pelos descalabros praticados pelos, para eles, “sempre meninos”, candidatos em potencial para celas e sepulturas. Os menos culpados de tudo, as vítimas de sempre.

(Portal da Globo Nordeste, 29.04.2010, Blog BATE & REBATE)
Fernando Antônio Gonçalves