AI, SE EU TE PEGO !


Já imaginaram, caríssimos leitores, o pânico que causaria o Michel Teló e sua banda, ingressando em áreas notavelmente bandidas do Setor Público Brasileiro, cantando “Ai, se eu te pego! ?”. Aconteceria um fato inusitado: integrantes da parte pilantra, presidentes, ex-presidentes, ministros, governadores, secretários de estado e municipais, senadores, deputados federais, estaduais e veredaores, procuradores das três instâncias, juízes, desembargadores e ministros de tribunais federais, toda essa gente em desabalada carreira, cada um deles buscando seus esconderijos para se esquivarem dos holofotes denunciadores das falcatruas cometidas, cada vez mais tornadas públicas por uma sociedade civil que já não teme, por ampliação da sua consciência cidadã, denunciar meliantes contumazes e picaretas falastrões travestidos de autoridades.

As declaração da ministra Eliana Calmon, brava corregedora do CNJ – Conselho Nacional de Justiça, em setembro do ano passado, ecoaram profundamente na consciência nacional: “A magistratura está com gravíssimos problemas de infiltração de bandidos que estão escondidos atrás das togas”. Coragem denunciatória que causou múltiplas repercussões favoráveis, alguns acovardamentos já esperados e umas tantas reações contrárias, típicas dos portadores de rabos presos em mutretas e canalhices de várias montas.

Uma das reações favoráveis aconteceu terça-feira passada, 3 do corrente, por ocasião da posse do desembargador Roque Mesquita na presidência da APAMAGIS – Associação Paulista de Magistrados. Que declarou, sem meias palavras, nem escapismos, que “o CNJ está plenamente autorizado a atuar da forma como vem atuando”.

Como seria benéfico para os três poderes da República se eliminados fossem os sigilos bancários, fiscais e telefônicos de todo e qualquer cidadão brasileiro, desnudando-se assim os larápios que se fingem de defensores da dignidade pátria! Transparência radical dos provedimentos daqueles que devem, inclusive no Setor Público, prestar contas dos seus atos, feitos e decisões. Já se foi o tempo dos imbecilíssimos “decretos secretos” de uma ditadura militar que tentou deflorar a dignidade nacional.

Acredito que a transparência integral deveria atingir, sem exceção, todos os segmentos da vida nacional. Empresas e empresários, instituições religiosas, agremiações esportivas e áreas educacionais, clubes sociais, sindicatos, ONGs, empresas estatais e mistas e as parcerias público-privadas recentemente criadas.

Multiplicam-se os que de há muito perceberam que a tolerância com as práticas corruptivas corrompe ainda mais a sociedade como um todo, favorecendo impunidades e enriquecimentos espúrios, posto que a corrupção também é sedutora. A psicanalista Maria Rita Kehl afirma, com sobejas razões, que “o seduzido, como se sabe, é aquele que se deixa passivamente desviar de seu caminho, fascinado pelo poder de gozo que o perverso exibe diante dele”. E ela, com propriedade de quem conhece a natureza humana, vai mais além, quando analisa o fenômeno: “Nada garante que o coro indignado da sociedade ante as cifras gigantescas da corrupção, ante as imagens de palacetes construídos com dinheiro público e carrões barganhados como troco miúdo entre negociatas muito mais onerosas, não seja apenas a reação superficial de uma nação seduzida, tentando esconder seu fascínio pelo sedutor”. Para não se falar nos montes de dinheiro depositados em paraísos fiscais em nome de terceiros apelidados de “laranjas”, criminosos igualmente.

O professor Fábio Wanderley Reis, Emérito da Universidade Federal de Minas Gerais, identifica uma das causas da corrupção: “No caso do Brasil, é bem clara a vigência de uma cultura que vê com olhos lenientes a trapaça em favor do interesse próprio e a inobservância das regras em qualquer plano, e que provavelmente se articula com nossa herança de escravismo, elitismo e desigualdade”.

Parabéns aos que persistem em dignificar a vida nacional, pública e privada, pugnando pela punição exemplar dos bandidos, inclusive os de paletó e gravata, farda, batina ou macacão, tenham os sobrenomes que tiverem e as escolaridades que amealharam. Que tal out-doors em praças públcas com os nomes daqueles que ainda não devolveram o ilegitimamente recebido, começando por membros do Ministério Público, Tribunal de Contas, Judiciário e Legislativo?

PS. Parabéns ao brigadeiro Rui Moreira Lima, 92 anos e em plena lucidez, ex-combatente da Segunda Guerra Mundial, que muito mais se agigantou quando declarou recentemente que “o torturador é um infame e covarde”. Que a Comissão da Verdade pelo menos aponte para a posteridade os infames e os covardes que se acanalharam diante dos que não podiam se defender. E que agora, acocorados e abundados, se postam encafifados em seus mundinhos de bosta, aqui inclusos ex-arrogantes parlamentares comedores de bola, renunciantes ao primeiro grito, pusilânimes como sempre foram.

(Publicada em 09/01/2012, no Portal da Revista ALGOMAIS, Recife – PE)
Fernando Antônio Gonçalves