A VOLTA DE MEU REI
De parabéns Fábio Guibu pela matéria publicada na nova fase editorial da Folha de São Paulo. O tema da reportagem foi a volta de Meu Rei, considerado o último profeta do sertão pernambucano, eternizado há 11 anos com 113 primaveras. Retorno ainda ansiosamente aguardado por seguidores fiéis, num vilarejo onde não se mata animais e nem se joga futebol, “uma prática que gera disputa e violência”.
Cícero José de Farias, Meu Rei, era um pernambucano de barbas brancas que pregava a paz no Vale do Catimbau, município de Buíque, 282 km do Recife. Onde os seguidores mantêm o “palácio” por ele construído, com cinco pavimentos. Um ambiente limpo e bem conservado, onde uma mesa utilizada para reuniões acata uma toalha bem esticada.
Na reportagem, o último assessor de Meu Rei, Edvaldo Bezerra de Melo, 67 anos, anuncia a volta do líder em 2040, “para continuar a comandar o processo de universalização da paz no terceiro milênio”. Uma volta de quem já se encontra em nosso meio, posto que Meu Rei já teria se reencarnado num recém-nascido da comunidade, tudo mantido até hoje sob absoluto segredo.
A fazenda, segundo o assessor, hoje pertence a Deus, doação feita pelo profeta, três anos antes da sua morte, no cartório do 2º Ofício de Buíque. O documento também teria sido assinado por Deus, no ato representado por Sadabe Alexandre de Farias Rei.
Meu Rei, nos seus entornos, criou uma moeda própria, o talento, para ser utilizada quando da chegada da bonança universal. Nas cédulas plastificadas, o rosto de Meu Rei, uma confecção da responsabilidade da Casa da Moeda Divina.
Segundo a pesquisadora Mônica Fontana, “no Brasil, em especial na região Nordeste, os grandes movimentos de caráter messiânico advêm de uma organização social profundamente injusta e têm praticamente os mesmos princípios: reivindicações sociais e políticas. A ansiedade pela posse da terra e a crença na possibilidade de melhoria de vida se refletem na ideologia religiosa. Não à toa, o messianismo se difunde mais fortemente no sertão nordestino. Nesse contexto, padres e beatos são facilmente transformados em líderes messiânicos”.
Um dos fenômenos messiânicos é o do sebastianismo, onde se constata a presença de forte sentimento coletivo, pretensamente capaz de esmagar ou superar a tragédia da vida, os sofrimentos e as injustiças, a oferecer uma vida futura de felicidade, riqueza e imensa paz. O movimento é caracterizado por duas vertentes: a esperança na volta do rei Dom Sebastião, enviado divino, e a confiança em sua capacidade redentora e em seu poder de instituir o paraíso na face da terra.
Ainda segundo a pesquisadora citada, “o sertanejo, que há séculos padece de fome e sofre a opressão do trabalho semiescravo, tem a mente aberta aos fenômenos mágicos e religiosos. Não é por acaso que, depois de Portugal, o nordeste brasileiro figura como o local onde se registrou a maior concentração de sebastianistas no mundo. Numa visão panorâmica, é possível traçar um pano de fundo comum para o sebastianismo sertanejo: a tendência natural das massas desamparadas de criar uma religião própria, cujas promessas venham de encontro às suas necessidades de transformações sociais”.
Aqui, uma pergunta não pode ficar sem reflexão: será o lulismo, o chavismo e o castrismo, formas mais ou menos explícitas e contemporâneas de sebastianismos? Que as nossas eleições aconteçam, em outubro próximo, sem a emersão de dilmismos, serrismos e marinismos que impossibilitem a plenitude da manifestação cidadã, agigantando furores nem sempre pacíficos e ordeiros.
Uma oportuna advertência final: saber bem diferenciar os sebastianismos é dever de cidadania mínima. De sebastianismo de muita estima, somente o Bom Sebastião do Getúlio Cavalcanti, frevo-de-bloco de 1975, uma das letras estrelas do muito aplaudido Bloco da Saudade, de quem um dia fui folião desfilante, sob reclamações mil de uma perna deficitária, atropelamento de infância.
(Jornal do Commercio, Recife – PE, 30.06.2010)
Fernando Antônio Gonçalves