A VELA NO ESCURO


Alguns estudiosos do mundo desenvolvido demonstram uma crescente preocupação planetária com a atual “dissociação da sensibilidade”, expressão do poeta norteamericano T. S. Eliot, onde espertíssimos embromadores estão vitimando imensas massas populacionais dos países em desenvolvimento. Entre eles, fundamentalistas religiosos de denominações várias estão se expandindo através dos modernos meios de comunicação, favorecendo rápidos enriquecimentos às custas de mentes emocionalmente infantis, que põem fé em anjos, ETs, tarôs, cristais, satanismos, continentes perdidos, OVNIs, DVDs de pulinhos cúlticos, horóscopos, aparições, baralhos, imagens que choram, fitinhas e penduricalhos que dão sorte, acuando para terrenos movediços princípios de uma consistente espiritualidade.

As novas crendices e superstições estão substituindo, nos centros urbanos metropolitanos, as mulas sem cabeça, as pernas cabeludas, a comadre Fulôzinha, o boi da cara preta e os demais enganabestas que ainda povoam a imaginação dos nossos jecas, incluindo, até recentemente, um boi macumbeirado que ganharia um campeonato estadual.

No livro O Mundo Assombrado Pelos Demônios, editado no Brasil pela Companhia das Letras e magistralmente, Carl Sagan divulga dados percentuais assustadores: 95% dos americanos são “cientificamente analfabetos”, prevalecendo, nas terras do Tio Sam, uma lei similar à de Gresham, segundo a qual “a ciência ruim expulsa a ciência boa”. Sagan alerta com muita acuidade: “As consequências do analfabetismo científico são muito mais perigosas em nossa época do que em qualquer outro período anterior”. E acrescenta sem disfarce: “Dos 535 membros do Congresso dos Estados Unidos, raramente 1% chegou a ter alguma formação científica significativa no século XX”. A crise econômica do Tio Sam é também uma estupenda crise cultural, onde até o bispo anglicano aposentado John Shelby Spong, autor do livro Um Novo Cristianismo para um Novo Mundo, é tido e havido como progressista demais na sua denominação religiosa.

No livro de Carl Sagan, ele revela que a diretoria de uma grande companhia de produtos eletrônicos inquietou-se com o seu derredor social, ao constatar que 80% dos inscritos numa seleção não conseguiram aprovação num teste de matemática elementar. E ele denuncia: os colegiais norteamericanos não estão estudando o suficiente, apesar do desempenho extraordinário de uma ínfima minoria. Enquanto o ano padrão dos Estados Unidos tem 180 dias letivos, a Coréia do Sul tem 220 dias, a Alemanha tem 230 e o Japão lidera com 243 dias.

Com dados da época, Sagan faz comparações: enquanto o aluno norte-americano médio, de escola secundária, utiliza 3,5 horas por semana nos deveres de casa, o aluno japonês da quinta série estuda, em média, 33 horas semanais. E aponta a consequência: com metade da população dos Estados Unidos, o Japão forma anualmente duas vezes mais cientistas e engenheiros com diplomas de nível superior!

No Brasil, o Plano Nacional de Educação 2012-2020 se arrasta burocraticamente por um Congresso Nacional sem qualquer credibilidade pública. E a Lei 9394, de Diretrizes e Bases da Educação, última contribuição notável do admirável Darcy Ribeiro, poderia alavancar a Educação Brasileira, se levada competentemente a sério pela sociedade, hoje em célere decrepitude cultural. Inclusive por uma classe média que anda mais preocupada em malhar o corpo do que efetivar reciclagens mentais paradigmáticas mais solidárias e menos autofágicas. E que faz emergir, por exemplo, programas compatíveis com a imbecilidade humana, como aquele televisivo que transmite cenas pra lá de esfregativas, tentando ampliar os ibopes em declínio da empresa.

Neste primeiro semestre de 2012, o Congresso Nacional Brasileiro, composto de inúmeros parlamentares que não poderiam ostentar uma mínima Ficha Limpa, deveria se apressar em aprovar o Plano Nacional de Educação, favorecendo o caminhar nacional na busca de horizontes mais condizentes com os desafios humanísticos e tecnológicos dos amanhãs. E não beneficiar vigarices reacionárias procrastinadoras.

PS. O jornal El País, da Espanha, informou, na semana passada, que o governo brasileiros “está preparando um tapete vermelho” para receber 400.000 trabalhadores especializados vindos de outros países. Em vez de formar seus próprios técnicos, o Brasil vai importar mão-de-obra especializada, reservando para os brasileiros os trabalhos de terceira/quarta categoria, mal remunerados e desvalorizados. Como se o mais importante fosse importar técnicos do que formá-los aqui, preservando, aqui, um estoque para retorno imediato às suas origens, tão logo atenuada a atual crise econômica mundial. Uma baita prova de uma incompetente política pública educacional. O fim da picada, como se diz por estas bandas.

(Publicada em 23/01/2012, no Portal da Revista ALGOMAIS, Recife – PE)
Fernando Antônio Gonçalves