A UNIVERSIDADE PÓS CRISE
Na década passada, um dos mais talentosos especialistas em reestruturações organizacionais, Charles Handy, num livro bastante provocador, advertiu dirigentes que, com sagaz inteligência, contribuem para a ampliação dos horizontes culturais dos seus derredores comunitários, particularmente das suas instituições universitárias: “Descobrir a sua própria inteligência é uma coisa. Aplicá-la é outra. Precisamos ser capazes de reconhecer e identificar os problemas e as oportunidades. Precisamos ser capazes de nos organizar e de organizar também as outras pessoas para que façam algo e precisamos ser capazes de nos sentar e refletir sobre o que tem acontecido para que possamos fazer tudo melhor da próxima vez”.
Casamento perfeito não existe, seja qual for a configuração estatutária de uma organização de ensino superior. Há atropelos, e muitos, durante uma caminhada institucional. Visões que se alteram, ciumeiras pueris, gostos que se modificam, fogueiras de vaidade, posturas sociais que se tornam diferenciadas, aprimoramentos vivenciais que se consolidam diferentemente, angústias que não são devidamente compreendidas e/ou interpretadas, preocupações moralistas sobrepairando-se acima das reais necessidades de um cotidiano cada vez mais complexo, a exigir que se propague, sob mil ventos, a máxima do poetíssimo Fernando Pessoa: “tudo vale a pena quando a alma não é pequena”.
Fazer o melhor, eis o mote para se sair de qualquer situação crítica, sempre se assessorando dos melhores talentos. É chegada a hora da reinvenção de todos nós, intelectuais, executivos, homens públicos e lideranças as mais diversas. E tal reinvenção torna-se muito mais urgente quando se trata de instituição de natureza essencialmente acadêmica, sem fins lucrativos, destinada a promover as mais variadas modalidades da criação intelectual. Um ambiente onde todos devem ter a certeza de que, numa sociedade que rapidamente se informatiza, acelera-se a urgência de fecundas ultrapassagens, na linha de frente se firmando uma inadiável qualidade de vida para todos .
Creio que necessitamos analisar mais amiúde o comentário feito pelo embaixador Roberto Campos, por quem não nutro nenhuma afinidade ideacional, embora nele reconheça um homem estupendamente dotado de sólida bagagem cultural, embasada numa inteligência sem dúvida privilegiada: “Temos que reconhecer que o subdesenvolvimento é, na essência, menos um problema material do que cultural: um misto, em suma, de idiotice e ‘mau-caratismo’”.
Atentando para o que foi dito pelo ex-ministro do Planejamento, entenderemos mais adequadamente a visão do educador Darcy Ribeiro, precocemente eternizado: “Na verdade das coisas, o que somos é a nova Roma. Uma Roma tardia e tropical. O Brasil é já a maior das nações neolatinas, pela magnitude populacional, e começa a sê-lo também por sua criatividade artística e cultural. Precisa agora sê-lo no domínio da tecnologia da futura civilização, para se tornar uma potência econômica, de progresso autossustentado”.
No mais, como nordestino, sugiro pôr em prática o receitado pelo João Silvino da Conceição, um líder popular, PhD em Coisas da Vida: “Enxergar a necessidade de mudar os rumos do desenvolvimento regional não é apenas da exclusividade de doutor especialista. Basta a gente também prestar mais atenção e começar a fazer as coisas que estão erradas de uma maneira diferente, sempre testando e assuntando”.
Numa universidade, diante de um novo milênio, o importante não é ser, ter ou parecer, mas realizar, construir e desenvolver. Sem uma sólida disposição de todos, o amanhã de qualquer instituição de ensino superior, mercê seus objetivos estatutários, poderá estar infectado de duas terríveis viroses: a do imediatismo, que busca querer ver os problemas resolvidos sem levar em conta as suas complexidades, as suas implicações e as resistências naturais dos que não desejam engolir sem mastigar; e a do superficialismo, produto do conúbio da mediocridade com a incompetência.
Estamos vivenciando dias de turbulência bastante significativos. E o fenômeno é universal, com características mais marcantes nos países menos desenvolvidos, detentores de imaturidades as mais diferenciadas. E a mais densa dessas imaturidades é a imaturidade cognitiva, matriz de todas as demais, posto que uma das causas primeiras de todo atraso civilizatório. E nós, brasileiros, como civilização que ainda ensaia, em algumas regiões, os seus primeiros passos, às vezes nos posicionamos como detentores de uma contemporaneidade embasada num aprendizado efetivado há cinquenta ou sessenta anos atrás. Tornamo-nos inflexíveis, fundamentados em lições apreendidas antes da Guerra Fria, num contexto outro, muito diferenciado. E nos vinculamos a ontens e anteontens que não mais retornarão, sob hipótese alguma, salvo como ópera bufa.
Aos dirigentes universitários de hoje caberão ampliar a criatividade das suas organizações, comprometendo-se com elas e com os demais segmentos sociais, respeitando-se para serem respeitados, mobilizando energias convergentes, desafiando-se cotidianamente para romperem com todos os seus passados inúteis. Cultivando e mantendo cenários favoráveis ao crescimento acadêmico coletivo. Eliminando autoritarismos, aprendendo com os demais, sem jamais pretenderem tapar o sol com peneira, efetivamente assimilando o pensar de Lawrence, militar e escritor inglês: “Todos os homens sonham, mas não igualmente. Os que sonham de noite, nos empoeirados recessos das suas mentes, despertam para descobrir que era vaidade. Mas os que sonham de dia podem dar vida a seus sonhos com olhos abertos para torná-los possíveis”.
PS. Com todo amor pela Universidade de Pernambuco, donde sou Professor Emérito com muito orgulho e vivenciei 45 anos de intensa vida acadêmica!
(Publicada em 25.08.2014, no Jornal da Besta Fubana, Recife, Pernambuco)
Fernando Antônio Gonçalves