A MORTE DA VACA E O BOLSA FAMÍLIA
Recentemente fui apresentado a um casal de docentes, filho de lavradores do interior de São Paulo. Ambos dotado de muita energia intelectual, estudiosos que são dos relacionamentos, até hoje ainda nos primeiros engatinhamentos, entre realidade quântica, filosofia e religião. O livro Quem se Atreve a Ter Certeza?, editora Mercuryo, é uma produção conjunta dos professores Maria de Lourdes Andreeta e José Pedro Andreeta e traz uma historinha pra lá de oportuna para a quadratura nacional, às vésperas de um ano que elegerá o futuro mandatário da República. Ou primeira mandatária, quiçá.
A historinha é a seguinte: um sábio e um dos seus discípulos, visitando um lugarejo, logo perceberam que no único casebre do sítio vivia uma família muito pobre e desnutrida. Que possuía como única fonte de alimento uma vaca, cabendo apenas a retirada do leite diária, dividindo-a com toda a família. Há muito tempo a família desistira de plantar, pois a terra era desgastada. Ao seu discípulo, o sábio determinou que, após o anoitecer, ele sacudisse a vaca numa ribanceira próxima, o que foi feito com muito pesar, sem que se soubesse as razões de tal proceder. Tempos depois, por feliz coincidência, sábio e discípulo passavam pelo mesmo lugar, quando se depararam com uma área totalmente modificada, toda plantada, muitas pessoas trabalhando na colheita e ordenha de uma grande quantidade de animais. Do proprietário da fazenda, o mesmo de anos atrás, a explicação diante do espanto estabelecido: com a morte da vaca, foram obrigados a plantar, constantando que a terra não era improdutiva. O desaparecimento da vaca tinha mostrado ao casal que com um pouco de coragem os problemas poderiam ser enfrentados, superadas as limitações induzidas pelo comodismo, favorecendo a multiplicação do pão de cada dia, ainda fornecendo trabalho para um bocado de gente das redondezas.
Qual a relação da historinha acima, a da morte da vaca, com o Bolsa Família? As ilações podem ser as mais diferenciadas possíveis. Se bem estratégico, o Bolsa Família beneficiará os que realmente estão carentes de um apoio financeiro, desde que não esteja descartada uma consistente capacitação para o trabalho, favorecendo um tempo de beneficio o menor possível. Quanto menor o tempo do benefício concedido, mais outros poderão ser beneficiados, ampliando-se uma profissionalização que somente favorecerá a cidadanização da gente brasileira.
Como nordestino, admirador de carteirinha de Luiz Gonzaga, recordo vez por outra sua imorredoura advertência: a esmola ou mata de vergonha ou vicia o cidadão. Sem os devidos cuidados, desatendidas as binoculizações estratégicas que não devem ser postas no lixão do desenvolvimento nacional, a perpetuação do Bolsa Família para os beneficiados de sempre somente desestimulará em milhões a vontade de trabalhar, ensejando uma multiplicação de párias, desestimulados por inteiro, sem qualquer fascinação pelo trabalho. O educador Rubem Alves costuma dizer que “o que não fascina dá medo e somente o fascínio acorda a inteligência, desafiando-a para o desconhecido”.
Quem desejar se aprofundar nas interrelações entre a história contada pelo casal Andreeta e o Bolsa Família, jamais deverá esquecer de uma outra recomendação do Rubem Alves, esse educador que sabe das coisas: todo pastor gosta muito das suas ovelhas porque elas são mansas e indefesas, não possuem garras, tampouco presas. Nas matas vizinhas lobos também gostavam muito de ovelhas porque elas são mansas, não possuem garras nem presas. O gostar dos pastores gerava cobertores de lã. O dos lobos produzia churrascos.
Que tipo de produtos ensejará o Bolsa Família? Se os ratos penetram nos depósitos de pás e adubos é porque encontraram facilmente os buracos. Eles “percebem” que, quando os métodos são assistencialistas, inexistem novas idéias, favorecendo cacoetes que despertam a ganância de outros roedores.