A DOUTRINA DO CHOQUE
Num encontro com colegas da Universidade de Pernambuco, de um deles ouvi referências elogiosas a um livro editado pela Nova Fronteira, em 2008, denominado A Doutrina do Choque: a ascensão do capitalismo de desastre. A autoria do texto é de uma jovem nascida em 1970, escritora, documentarista e jornalista, também colunista internacional para os jornais The Nation e The Guardian. Seu primeiro livro, Sem logo: a tirania das marcas em um planeta vendido, tornou-se best-seller internacional, traduzido para mais de 28 línguas, sendo aclamado pelo New York Times como “a Bíblia de um movimento”.
Segundo dados pesquisados, Naomi Klein publicou o livro em 2007 sob título Shock Doctrine: The Rise of Disaster Capitalism, no qual descreveu “como as empresas se aproveitam dos desastres naturais, das guerras ou de outros choques culturais para avançar políticas de liberalização econômicas, produzindo empobrecimento das populações e o enriquecimento de uma minoria de capitalistas sem escrúpulos”. E sem contemporizações descreve os procesos com o auxílio de exemplos: o Chile de Pinochet, o Brasil e a Argentina das ditaturas militares, a China das repressões depois dos tumultos da Praça da Paz Celestial.
Diante da exposição elogiosa feita pelo colega universitário, não marxista como eu, embora social-democrático por derradeiro, com aversão a roubalheiras e corruções nos setores públicos e empresariais, de responsáveis merecedores de enjaulamentos por muitos anos, adquiri um exemplar do livro num dos sebos associados a Estante Virtual – www.estantevirtual.com.br -, um sítio que associa mais de 1500 sebos brasileiros, onde qualquer um pode se cadastrar gratuitamente.
Logo na Introdução, Noami Klein revela acanalhamentos cometidos quando da passagem do furacão Katrina por Nova Orleans, em 29 de agosto de 2005, alcançando seus ventos mais de 280 quilômetros por hora, causando prejuízos superiores a dois bilhões de dólares e provocando aproximadamente mil mortes, tendo sido considerado um dos furacões mais destrutivos que atingiram os Estados Unidos. E reproduz alguns procedimentos vergonhosos. Um deles foi dito por Richard Baker, congressista da cidade, para um grupo de lobistas: “Nós finalmente fizemos a limpeza dos prédios públicos de Nova Orleans. Nós não podíamos fazer isso, mas Deus fez”.
Um outro direitista extremado, Milton Friedman sugeriu que a Administração George W. Bush, “em vez de gastar bilhões de dólares com a reconstrução e melhoramentos do sistema escolar público preexistente em Nova Orleans, deveria fornecer vouchers para as famílias, com os quais elas poderiam gastar em escolas privadas de fins lucrativos”. O resultado, Naomi revela: “Dentro de 19 meses, o sistema de escolas públicas de Nova Orleans tinha sido completamente substituído por escolas licenciadas, sob administração privada, os acordos sindicais tinham sido rasgados e 4.700 professores tinham sido demitidos”. E Naomi assegura: “eu chamo isso, ataques orquestrados à esfera pública, ocorridos no auge de acontecimentos catastróficos, combinados ao fato de que os desastres são tratados como estimulantes oportunidades de mercado, de ‘capitalismo de desastre’”.
Milton Friedman morreu em novembro, 16, de 2006, aos 94 anos, tendo sido considerado o economista mais influente do último meio século, após assessorar “diversos presidentes norte-americanos, primeiros-ministros britânicos, oligarcas russos, ministros da Fazenda poloneses, ditadores do Terceiro Mundo, secretários do Partido Comunista Chinês, diretores do FMI, além dos três últimos presidentes do Banco Central norte-americano”. E Naomi Klein explicita: “Por mais de três décadas, Friedman e seus poderosos seguidores se dedicaram a aprimorar essa mesma estratégia: esperar uma grave crise, vender parte do Estado para investidores privados enquanto os cidadãos ainda se recuperavam do choque, e depois transformar as ‘reformas’ em mudanças permanentes”. E a doutrina de Milton Friedman era a seguinte: “Somente uma crise – real ou pressentida – produz mudança verdadeira. Quando a crise acontece, as ações que são tomadas dependem das ideias que estão à disposição. Esta, eu acredito, é a nossa função primordial: desenvolver alternativas às políticas existentes, mantê-las em evidência e acessíveis até que o politicamente impossível se torne o politicamene inevitável”. Naomi denuncia: “Milton Friedman aprendeu a explorar os choques e crises de grande porte em meados da década de 1970, quando atuou como conselheiro do ditador chileno, o general Augusto Pinochet. … Foi a estratégia mais extrema de apropriação capitalista jamais tentada em qualquer lugar, e ficou conhecida como ‘a revolução da Escola de Chicago’”.
Com bastante equilíbrio analítico, Naomi Klein esclarece no seu livro: “Eu não estou argumentando que todas as formas de sistemas de mercado são inerentemente violentas. É possível a existência de uma economia de mercado que não exija tamanha brutalidade nem imponha esse tipo de purismo ideológico. Um mercado livre para produtos de consumo pode coexistir com um sistema público de saúde, com escolas públicas, e com um amplo segmento da economia controlada pelo Estado – como uma empresa petrolífera nacionalizada, por exemplo. É ainda factível exigir das corporações que paguem salários decentes e respeitem os direitos dos trabalhadores de formar sindicatos, e dos governos que cobrem seus impostos e redistribuam a riqueza a fim de reduzir as desigualdades que caracterizam o Estado corporativo. Os mercados não precisam ser fundamentalistas”.
O depoimento de Tim Robinson, um diretor de cinema, sobre o livro da Noemi Klein é de valiosa oportunidade: “Com rara coragem e clareza, Naomi Klein escreveu o livro mais importante e necessário da sua geração. Nele são expostos mentirosos, assassinos e ladrões, e é desmascarada a política econômica da Escola de Chicago, assim como sua conexão com o caos e o banho de sangue em todo mundo. A Doutrina do Choque é um livro tão importante e revelador que poderia se tornar um catalisador, um divisor de águas, um ponto de virada no movimento por justiça econômica e social”.
Livro inadiável para todos aqueles que desejam conhecer mais as turbulências do mundo no século presente. Um excepcional roteiro que traz esperança de que um outro mundo é possível. Apesar de todas as ladroagens, brasileiras e internacionais.
(Publicado em 15.12.2014, no site do Jornal da Besta Fubana – www.luizberto.com
Fernando Antônio Gonçalves