A ARTE DA PRUDÊNCIA


Decididamente, nos últimos anos, a sociedade brasileira, através dos seus setores midiáticos, tem sido vítima de um crescente festival de bobajadas de grosso calibre, tudo explicitado como se fossem procedimentos de uma pós-modernidade de irrestrita permissividade. Excetuando alguns talentos e eventos notavelmente sedutores, revelando ontens e hojes através de análises bem estruturadas, uma penca de baboseiras tem servido de porta-estandarte dos programas de horário nobre, imensamente descriativos ou densamente copiativos, como se propositadamente destinados a uma patuleia em acelerada desconstrução mental, sem mínima noção do que seja um amanhã vivificador.

A criticidade sadia, instrumento de um elevado potencial cidadanizador, bem que está a merecer um tratamento mais respeitoso por parte daqueles que se metem a cavalo do cão, paletó e gravata a serviço de uma imbecilidade humana que de há muito já deveria estar minimizada em nossos meios de comunicação.

Tudo faz crer que núvens aéticas sobrepairam a nação brasileira desde os últimos anos do século passado, desfavorecendo nosso caminhar civilizatório, apesar dos esforços internacionais desenvolvidos pelo presidente Lula, uma liderança aplaudida nos quatro cantos do mundo, situada muitos furos acima das mediocridades de alguns dos seus ministros, do seu partido e dos partidos oposicionistas. E da sua “bichinha palanqueira”, como ele próprio apelidou a ministra chamada de Dilminha por um outro ministro, careca e babão.

Em meados do século XVII, um jesuíta chamado Baltasar Gracián (1601-1658), especialista em casuistica e hermenêutica, também pregador de renome, redigiu um conjunto de trezentos aforismos, intitulando-o Oráculo Manual y Arte de Prudencia, editado no Brasil, sob título A Arte da Prudência, pela Martins Fontes, em 1996 e 2009. Aforismos ainda incrivelmente contemporâneos para os que buscam privilegiar duas vertentes do ideário jesuítico, a educação e o senso crítico, nas mais diferenciadas atividades sociais.

Para que não se pense, mais uma vez abestalhamente, que o livro do Gracián é rabisco da época dos dinossauros, é bom ressaltar que os seus aforismas cativaram talentos notáveis como o psicanalista Jacques Lacan, o filósofo Nietzsche, o irônico Voltaire, hoje sendo consulta obrigatória nas bibliotecas do mundo inteiro, pelas mentes mais evolucionárias.

Segundo Domenico de Masi, os aforismas de Gracián foram escritos “com o intuito de oferecer aos homens e mulheres do seu tempo um guia para ajudá-los a se desemaranhar nos labirintos das intrigas, das dúvidas e das maledicências cotidianas”. Um método salutar de não resvalar para o cometimento de estroinices que descidadanizam o ser humano século 21, evitando a sua titulação como mané, peidão, arame-liso, prego e bucha, conforme recentes gírias cariocas, reproduzidas outro dia por revista semanal de circulação nacional.

O trabalho de Gracián busca reinventar o ser humano na sua plenitude moral, religiosa, social e política. Alguns aforismas são muito oportunos para o ano eleitoral de 2010: “Os tolos erram porque não pensam” … “O que importa não é receber aplausos na entrada, mas na saída” … “Ocupar-se dos erros dos outros é sinal de que a própria reputação está arranhada” … “É tolice ter o coração atormentado por um assunto que não lhe diz respeito e que nem sequer toca a quem lhe importa” … “Não se vive de um só critério, nem de um só costume, nem de um só século”.

Ler Baltazar Gracián sem açodamentos é um exercício pra lá de necessário. Para ampliar o binômio cidadania x criticidade, jamais se deixando levar pelos disse-me-disses dos ananicados de todos os matizes profissionais, partidários e ideológicos. Os aforismas do jesuíta nascido numa província de Saragoça, Espanha, nos permite continuar a ter consciência sob o que foi dito, um dia, pelo sociólogo Gilberto Freyre: “Se depender de mim, nunca ficarei plenamente maduro, nem nas idéias, nem no estilo, mas sempre verde, incompleto, experimental”. Tal e qual a metamorfose ambulante do nunca esquecido menestrel baiano Raul Seixas.

PS. Um livro que está a merecer leitura atenta daqueles que não cairão na folia carnavalesca: O Terceiro Jesus – O Cristo que não podemos ignorar, Deepak Chopra, Rocco, 2009. O autor ressalta que o legado do Homão está ao alcance de todos, sejam quais forem suas caminhadas étnicas, políticas e religiosas. Uma leitura desabilolante pra lá de ótima.

ALGOMAIS, 25/01/2010
Fernando Antônio Gonçalves