7952, TRIÂNGULO ROSA


Há uma história que não deveria ser esmaecida pelos que respeitam o ser humano independentemente de sua etnia, crença, classe social, escolaridade, gênero e sexualidade. Para quem deseja ler sobre como um grupo de fanáticos conseguiu induzir um país para a guerra e o ódio racial, recomendo a trilogia de Richard J. Evans, dois já lançados pela Planeta: A Chegada do Terceiro Reich (2010) e O Terceiro Reich no Poder (2011), estando previsto o lançamento de O Reich em Guerra para os próximos meses. Segundo um dos especialistas em Hitler, Ian Kershaw (Hitler, Companhia das Letras, 2010), o trabalho de Evans é “a mais abrangente história em qualquer idioma sobre a desastrosa época do Terceiro Reich”. Elogio ratificado pelo The Economist, posto que trata de “uma descrição rica e detalhada de tudo que o Terceiro Reich fez em cada compartimento do país e em cada esquina da sociedade. O magistral estudo de Evans deve ficar em nossa estante por muito tempo”. Na minha, ele ficará até minha partida para o outro lado da Rua.

Recentemente, um homossexual de 97 anos forneceu um testemunho histórico subsidiado por rigorosa pesquisa histórico-documental. Um brado de alerta contra as manifestações homofóbicas que estão emergindo na sociedade contemporânea, brasileira inclusive, como se homossexualidade fosse uma doença, nunca um tipo de sexualidade merecedora de respeito humano. O texto está contido no livro Triângulo Rosa: um homossexual no campo de concentração nazista, de Jean-Luc Schwab, pesquisador, e Rudolf Brazda, sendo deste a matrícula 7952, usada até sua libertação, em 24 de abril de 1945.

Na contra-capa, o resumo do livro: “da ascensão do nazismo na Alemanha à invasão da Tchecolosváquia, da despreocupação no início dos anos 1930 ao horror do campo de concentração de Buchenwald, esta obra revela em detalhe, pela primeira vez, as investigações policiais que visavam inúmeros homossexuais no Estado nazista. Também aborda, com tato e sem tabu, a questão da sexualidade num campo de concentração”.

Segundo Marie-José Chombart de Lauwe, presidenta da Fundação pela Memória da Deportação, “a biografia de Rudolf Brazda chega em boa hora”, pois “quanto mais penetramos na criminalidade nazista, mais nos conscientizamos de estar diante de um antimodelo, uma espécie de ‘buraco negro’, onde tudo desaparece”.

De pais tchecos, Rudolf Brazda nasceu na Alemanha em 1913, tendo sido notícia num artigo do jornal L’Alsade, em 29 de junho de 2008. Na primeira página, um correspondente berlinense fazia menção a um “alemão gay e mártir dos nazistas” que vivia perto de Mulhouse. Foi o suficiente para que o historiador Schwab, que pouco tempo antes tinha assumido as funções de representante regional de uma associação dedicada à divulgação e reconhecimento dos deportados por homossexualidade. Entrevistas e documentos inúmeros coletados, com a exclusão, por respeito, dos sobrenomes, consubstaciaram páginas que refletem humilhações, ainda que não tenham derrotado o entusiasmo existencial de Brazda.

Um livro que muito conscientiza. E que reforça a luta por severa legislação anti-homofóbica num Brasil de ainda muitos preconceitos.
(Publicado no Jornal do Commercio, Recife, Pernambuco, 19.10.2011
Fernando Antônio Gonçalves