1528 – A CORAGEM DE MUDAR


Muito recentemente, o Papa Francisco nomeou um grupo numeroso de novos cardeais, nenhum deles sendo brasileiro. E muita gente entendeu, inclusive eu, como um alerta para a outrora muito dinâmica CNBB, hoje comodamente burocratizada, parecendo não estar atenta à quase profética recente declaração do Sumo Pontífice: “Esta era não é apenas uma época de mudança, mas uma mudança de época.” Tampouco a CNBB não promoveu seminários e debates nos quatro cantos do país sobre a versão definitiva do testamento teológico-espiritual do padre José Comblin, editado em momento muito oportuno, 2023, pela editora Paulus, sob título O Espírito Santo e a tradição de Jesus, parecendo ter olvidado o cumprimento do Pacto das Catacumbas, em 16 de novembro de 1965, logo após o encerramento do Concílio Vaticano II. Tampouco dando atenção consistente ao que escreveu Comblin em seu testamento: “Para poder evangelizar os nossos contemporâneos de todos os países do mundo e de todas as culturas, precisamos partir da distinção entre fé e religião. Pois o Evangelho de Jesus pede a fé, mas não pede uma religião. Ora, entre fé e religião, as diferenças são notáveis.” Um missionário belga, que amou demasiadamente o Povo Brasileiro, um notabilíssimo pensante, jamais mero sacerdote acocorante.
Urge, nas mais diferenciadas instituições sérias brasileiras, enxergantes de amanhãs recheados de muita luz, a difusão de uma obediência desobediente, a la Mateus no seu Evangelho, como explicitado no livro Surpreendido por Jesus: a graça subversiva nos quatro Evangelhos, Dane Ortlund, Rio de Janeiro, Thomas Nelson Brasil / Pilgrim, 2023, 192 p. O autor, pastor da igreja Naperville Presbyterian Church, Illinois, USA, no prefácio, manda um recado: “Se você não quer nada com cristãos ou com igrejas, mas está intrigado pelo próprio Jesus, este livro é para você.” Páginas sem perrengues, tampouco erudições piegas cavilosas, que analisam a vinda do Homão da Galileia cumprindo profecias antigas, embora estraçalhando expectativas.
Recomendaria aos meus irmãos cristãos, espiritualistas e espiritistas, bem como a mim próprio, uma leitura atenta de quem critica propositivamente a Igreja contemporânea, buscando substituir o egocentrismo eclesiástico de fixações no passado, os interesses institucionais típicos de um clericalismo decadente, tampouco os fundamentalismos e os tradicionalismos exclusivistas, por uma implantação amplamente transecumênica e solidariamente fraterna, para que todos tenham vida plena e abundante, a favor de continuadas transformações estruturais, sem nostalgias autoritárias nem preconceitos raciais, regionais e de gênero. Tudo amplamente comprometido com o amor e a justiça, sempre através de uma fé dinâmica embasada num sentimento cristão renovado e relevante.
Ao escrever estas linhas, rendo minhas homenagens ao saudoso Dom Hélder Câmara, Arcebispo de Olinda e Recife, um não teólogo possuidor de uma portentosa intuição messiânica, que nos deixou lições inesquecíveis, entre as quais ressalto algumas:
Faze com alma o que na vida te for dado fazer. Mas não te esqueças nunca de integrar-te nos grandes planos de Deus.
A nada e a ninguém serás fiel, se pecares contra a fidelidade em face de ti mesmo.
Se desejas dialogar, não te imponhas como inevitável. Vai como parcela.
Das barreiras a romper, a que mais custa e a que mais importa é, sem dúvida, a da mediocridade.
Feliz de quem entende que é preciso mudar muito para ser sempre o mesmo.
Nunca te esqueças: até um relógio parado tem razão duas vezes ao dia.
Nos amanhãs planetários, sejamos fiéis cada vez mais obedientes desobedientes no cumprimento das lições efetivamente transmitidas pelo amado Galileu, nosso Irmão Libertador.


Fernando Antônio Gonçalves é pesquisador social