1526 – SOBRE DEUS, O PÓS-DEUS E O SEMPRE


Tenho consciência plena da existência de uma outra vida após o encerramento das atividades terrestres de cada ser humano. E frequentemente me recordo de uma constatação sobre o momento atual, feita pela especialista em assuntos religiosos Karen Armstrong, na Apresentação do seu livro Em nome de Deus: o fundamentalismo no judaísmo, no cristianismo e no islamismo, São Paulo, Companhia das Letras, 2001, 490 p. Explícito-a para uma reflexão-minuto:

“Um dos fatos mais alarmantes do século XX foi o surgimento de uma devoção militante popularmente conhecida como ‘fundamentalismo’, dentro das grandes tradições religiosas. Suas manifestações são às vezes assustadoras. Os fundamentalistas não hesitam em fuzilar devotos no interior de uma mesquita, matar médicos e enfermeiras que trabalham em clínicas de aborto, assassinar seus presidentes e até derrubar um governo forte. Os que cometem tais horrores constituem uma pequena minoria, porém até os fundamentalistas mais pacatos e ordeiros são desconcertantes, pois parecem avessos a muitos dos valores da sociedade moderna. Democracia, pluralismo, tolerância religiosa, paz internacional, liberdade de expressão, separação entre Igreja e Estado, nada disso lhes interessa. Os fundamentalistas cristãos rejeitam as descobertas da biologia e da física sobre as origens e afirmam que o Livro do Gênesis é cientificamente exato em todos os sentidos.”

Segundo os fundamentalistas, quando falam de Deus, geralmente utilizam o Seu nome para petições as mais estapafúrdias, geralmente desconhecendo que Religião é uma disciplina que desenvolve nossas capacidades mentais afetivas. E eles menosprezam o conhecimento de uma cosmovisão cristã que amplie novas enxergâncias críticas e profundas binoculizações históricas científicas.

No mundo de agora, a grande maioria dos cristãos, das mais diferenciadas denominações, ignora a existência de um modo cristão que orienta para uma maneira sadia de convivialidade terrestre, num contexto chamado sabiamente pelo sociólogo Zygmunt Bauman de “mundo líquido”: a Cosmo Visão Cristã.

Podemos definir cosmovisão como “a forma como as pessoas veem o mundo.” A palavra nasceu na Alemanha, no século XVIII, apenas citada pela vez primeira pelo filósofo Immanuel Kant, em sua Crítica da faculdade do juízo, em 1790. O pastor Felipe Amorim define cosmovisão como o que cada ser humano pensa a respeito de Deus, se Ele existe ou não, se Ele atua ou não em sua caminhada terrestre. Segundo Amorim, a cosmovisão retrata todas as decisões que tomamos no trabalho, na rua, no trânsito, nas reações familiares, sob cinco pontos basilares: Deus, metafísica, epistemologia, ética e antropologia.

Atualmente, dentre as muitas cosmovisões existentes, destacaria três grandes vertentes:
a. A ateísta – o ser humano é apenas o fruto do acaso num universo fechado.
b. A panteísta – o ser humano é particularização divina, como todo o mundo finito.
c. A teísta – o ser humano é uma criação especial, distinto de toda criação não pessoal.

O endocrinologista Deepal Chopra, em seu livro famoso O Futuro de Deus – São Paulo, Companhia das Letras, 2015, 286 p. –, defendendo a tese Deus tem futuro, declara no Prólogo: “Estamos vivendo uma crise de fé. A religião passou milhares de anos sugerindo que aceitemos, com base na fé, um Deus amoroso, que tudo sabe e tudo pode. … Hoje, pelo menos nos países desenvolvidos, a idade da fé perdeu muito de sua força. A maioria das pessoas aceita a religião sem pensar muito a respeito. Não existe uma ligação viva com Deus.” O seu livro foi best-seller do New York Times.

Para os que proclamam que Deus não existe, recomendo uma leitura que analisa todas as consequências da frase “Deus está morto”, do escritor Nietzsche. Um livro não muito fácil, de magistral abrangência teológica: PÓS-DEUS, Peter Sloterdijk, Petrópolis RJ, Vozes, 2020, 324 p.

Para não impacientar o leitor, sugeriria a gregos e troianos duas outras leituras complementares, as quais muito restaurarão interiores ainda pouco esclarecidos:
a. Nosso universo: história do cosmo e seus mistérios, Jo Dunkley, São Paulo, Editora Todavia, 2023, 293 p. Um relato da jornada heroica da humanidade, de autoria de uma premiada docente de física e ciência astrofísica de Princeton, USA.
b. Filósofos Espirituais: a vida iluminada pelo pensamento, Richard White, Petrópolis RJ, Vozes, 2023, 371 p. Páginas que orientam como o pensamento ilumina a visão espiritual da vida.

No mais, é ratificar o pensamento do saudoso arcebispo Dom Hélder Câmara, de Olinda e Recife: “Feliz de quem entende que é preciso mudar muito para ser sempre o mesmo.”


Fernando Antônio Gonçalves é pesquisador social