1520 – PROVOCAÇÕES REDENTORAS DE UM PASTOR PENSANTE


Vez por outra me deparo com pronunciamentos religiosos abobados, falados e escritos, advindos de pastores travestidos de evangelizadores que buscam arrecadar alguns bons trocados para usufrutos próprios, em nenhum momento se preocupando na transmissão de mensagens convincentes, capazes de efetivamente retroalimentar um binômio Ciência x Fé amplamente necessário nesta atual pós-modernidade, onde as descobertas científicas se multiplicam aceleradamente, na proporção inversa acontecendo uma acreditação nas instituições religiosas, consequência primeira de uma evangelização moralista capenga, respaldada numa ingenuidade consequência legítima de uma crescente deseducação comunitária, que vem vitimando acentuadamente as gerações últimas.
Nos meios sociais pensantes, entretanto, muita reflexão valiosa tem sido publicada ultimamente, mormente nos cantos mais desenvolvidos do mundo, travando um excelente combate contra uma desumanização planetária que apenas robotiza milhões, através de um pernicioso pensamento único que muito aliena os mais desatentos e seus próprios interiores mentais.
Como toda regra tem exceção, fixei os olhos durante boas horas diárias e por três semanas, rabiscador e Bíblia Sagrada ao alcance das maõs, num livro escrito por um pastor da Igreja Betesda de São Paulo, também presidente da Convenção Betesda do Brasil, graduado em Administração de Empresas, com Mestrado em Ciências da Religião, autor de vários livros bastante aplaudidos pelos espiritualistas e espiritistas do nosso país. Seu nome? Ricardo Gondim. Um dos seus livros mais recentes: TEOPOÉTICA – PROVOCAÇÕES DE UM PASTOR CONECTADO, São Paulo, Editora Recriar, 2021, 190 p.
Páginas que muito estimularam meu pequeno interior pensante, despertando mais intensamente o meu querer saber mais sobre as lições deixadas pelo Nazareno Amado Jesus Cristo, filho de Maria e José, hebreu quatro costados, que por aqui passou, continuando entre nós todos os instantes atuais, buscando edificar um amor-a-Deus que congregue gregos e troianos, disseminando uma mensagem que revoluciona o conceito de Deus, direcionando todos para uma fraternidade radicalmente solidária, sem os andrajos de uma canhestra evangelização, que muito tem obstaculizado um consciente e libertador cumprimento dos Seus ensinamentos.
Vejamos, com a devida vênia dos leitores, algumas das salutares provocações de um pastor pensante, radicalmente impregnado da Mensagem Nazarena. Provocações que devem ser lidas, rascunhadas e meditadas por todos aqueles que buscam levantar-se, sacudir a poeira das mesmices e dar uma volta libertadora por cima. Uma pequena amostra, abaixo, certamente amplia o desejo de ler integralmente as páginas escritas do pastor acima citado. Ei-las, utilizando suas reflexões enumeradas:
1. “Minha espiritualidade deixou de ser apelo para que Deus solucione os problemas humanos. Concordo com Bonhoeffer também: ‘ficou bem claro para mim que não devemos fazer com que Deus figure como o tapa-furos do nosso conhecimento imperfeito.’”
2. “Constantes terremotos misturam em minha alma medo e ousadia, ternura e raiva, iniciativa e fadiga. Sou ambíguo e lógico, sensível e ríspido, melancólico e cheio de esperança.”
3. “Já fui criança acossada por surras, mas cresci e parei de ver meu Pai como bedel ou verdugo que vive a ensebar chicotes para castigar pessoas.”
4. “Assim me tornei ateu do Deus que constrange quem questiona e considera a dúvida um pecado; abandonei aquele que castiga quem recusa o argumento de que a desigualdade e a pobreza que massacra milhões acontecem porque ‘ele sempre quis assim’”.
5. “Escolho fugir da porta por onde entram os inquisidores, os inquebrantáveis, os santos, que sabem tudo sobre tudo e todos e nada sobre si.”
6. “Não consigo imaginar Deus irado com o jogo do amor – hétero ou homossexual. Sei que Ele se ira contra o abandono dos vulneráveis, contra o cinismo em usar Seu nome em ambições políticas, contra frieza no assassinato de indígenas, contra o racismo e contra a fome. O resto é jogo de poder.”
7. “Deus caminha no sentido contrário da coerção, da intimidação. Ele não deseja ter os filhos agarrados na orla de suas vestes. Repito: Deus não quer filhos dependentes, mas capazes de escolhas responsáveis.”
8. “O Jesus das conveniências precisa permanecer o bom moço que se presta a cumprir a agenda de racistas, milicianos, vigaristas e banqueiros.”
9. “O simplório não sofre. O tolo não questiona. O ingênuo não se aflige. Esperança é filha de gente intensa, profunda e, portanto, angustiada. Não faço apologia do sofrimento, pois autocomiseração também é forma de egoísmo.”
10. “Jeremias merece ser revisitado. Igreja que se pretende profética precisa mirar-se nele, caçado como indigesto. Quando o clero vira capacho de políticos de quinta categoria, Jeremias ressurge como modelo de profeta que nunca se deixa alugar.”
No seu livro-cutucação, o Pastor Ricardo Gondim faz algumas perguntas que merecem meditações e debates múltiplos, arregaçar de mangas e abandono dos fundamentalismos cretinos, oportunistas e aproveitadores das áreas comunitárias. Escolhi as que mais me alertaram:
a. Não deveria haver uma marcha pra Jesus para protestar contra o acúmulo de riquezas nas mãos de meia dúzia de trilhardários?
b. Por que secaram as lágrimas para a cena de pessoas disputando comida em caminhões de lixo?
c. Onde estão os líderes cristãos que desejam mais parecerem executivos muito mais bem sucedidos do que discípulos de Jesus de Nazaré?
d. Não seria obrigação da Igreja fugir da ostentação, evitar o luxo (já que o amor ao dinheiro é a raiz de todos os males) e buscar líderes que tenham uma vida simples?
e. Os crentes moralistas que temem o avanço homossexual, não deveriam preferir a hospitalidade ao preconceito e a compreensão do outro (da outra) à rigidez hipócrita?
O livro do Pastor Ricardo Gondim é um convite sem lero-leros para um entendimento sobre um Deus que não possui dimensões despóticas, onde Jesus de Nazaré, Seu Filho, O reapresenta como Aquele que nos convida para a consolidação de uma espiritualidade não alienada, nunca covarde, tampouco infantilizada. Uma espiritualidade que jamais se deixará encabrestar por hipócritas, moralistas, oportunistas e vigaristas do Sagrado. E que tem pleno conhecimento do Livro do Profeta Jeremias.

Fernando Antônio Gonçalves é pesquisador social