1510 – DOS INVISÍVEIS PARA NÓS


Confesso que muito me sensibilizei com os esclarecimentos prestados pela Editora Recriar, na orelha segunda do livro ORAÇÃO DAS RUAS: COMO A POPULAÇÃO DE RUA FALA COM DEUS, Vinicius Lima, São Paulo, Editora Recriar, 2022, 96 p. Encareço sua atenção para o que lá foi escrito pela Equipe Editorial:
“Por que publicamos Vinicius Lima? Para além da imagem de vulnerabilidade, da estética que às vezes repele os olhos mais sensíveis, qual foi a última vez que você ouviu a voz de uma pessoa em situação de rua? E a oração de alguém nessa condição? Publicamos este livro porque o Vinicius Lima percorreu a cidade de São Paulo ouvindo o que muitas pessoas nunca ouviram e registrando a profundidade do coração e da mente de mulheres e homens abandonados à noite, mas que se sentem plena e profundamente amparados pela fé. Este livro apresenta uma imagem de Deus que dá suporte e cuida, que fortalece o cansado, confia em quem a sociedade observa com descrédito e que não está acima de ninguém, mas ao lado, diferente daquela defendida pelas instituições, pelos pastores celebridades. Um Deus que é pai e mãe, porque não abandona a sua criação, mesmo que ela esteja em uma situação de vulnerabilidade social. Publicamos este livro porque pessoas em situação de rua, para além do que podemos moralizar, ainda são pessoas com dignidade, que oram com fé, devoção, respeito e amor a Deus e ao próximo. Suas vozes precisam ser ouvidas não somente por Deus, mas também por cada um que tiver acesso a este livro.”
O Vinicius Lima, autor do livro, tem 26 anos, é jornalista e cofundador do movimento SP INVISÍVEL, que conta histórias de pessoas em situação de rua para mostrar que todos que estão nas calçadas são seres humanos e que possuem uma história, servindo todas elas para abrir os olhos dos que se imaginam sem problemas existenciais.
O prefácio profundamente despertador do livro, intitulado A ORAÇÃO DO HOMO SACER, é de autoria do pastor Felipe dos Anjos, que jamais tinha visto tantos invisíveis quando visitou São Paulo pela vez primeira, logo vindo à sua mente a figura do homo sacer, aquela figura arcaica do Direito Romano, que designava todo aquele que era possuidor de uma “radical exposição à violência política e extrema vulnerabilidade social, habitante de uma zona de não-ser.” E que “tornava-se vida matável, sub-vivência, sobre-vivência, invisível aos valores políticos e religiosos da comunidade.” E o pastor Felipe dá testemunho sobre Vinicius:
“Vinicius mostra como a religião pode ser uma experiência de empoderamento existencial, subversão da morte e liberação de toda potência de vida.”
No primeiro parágrafo do seu livro-despertador, Vinicius Lima parece se dirigir a cada um de nós, leitores:
“Quem é o sagrado com quem você se relaciona? Como falamos com o nosso sagrado? O que tem impedido a nossa conexão com ele? Quem são as pessoas para as quais as instituições dizem coisas como ‘você não pode ter acesso a Deus’ ou ‘para acessar Deus você precisa cumprir tais ritos, andar de tal maneira, caso contrário, Ele não te aceita?’ Será que, às vezes, não somos essas pessoas que tentam impedir outros irmãos e irmãs de se conectarem com o divino, como uma espécie de guardas do céu ou secretários de Deus?”
O posfácio é uma ORAÇÃO PELAS RUAS, do Padre Júlio Lancellotti, que transcrevo abaixo:
“Deus, nosso Pai. Fazer uma oração pedindo pela população em situação de rua é pedir por nós mesmos. Para que nós não sejamos coniventes com o preconceito, com a discriminação, com tudo aquilo que te fere quando você está na rua. Sujo… Com frio… Ferido… Abandonado… Sozinho… Tendo que comer do saco de lixo… Não tendo afeto. Ninguém falando com você. Ninguém se dirigindo e nem perguntando como você está, pois estão com medo. Emagrecido… Sofrido… Doente… Com feridas… Sem amor… Abandonado… No frio… É assim que te vejo, Senhor. É assim que, te vendo, te vejo amoroso e compassivo, e te peço perdão e misericórdia por ignorarmos o Senhor nas ruas. Amém.”
Leiamos sempre, até mesmo todos os dias, o livro do Vinicius Lima, um irmão evangelizador por derradeiro. Para melhor sabermos fazer a hora, sem jamais esperar um brabíssimo acontecer.


Fernando Antônio Gonçalves é pesquisador social