1503 – PARA ENCONTRO DE NÃO RUMINANTES
Alguns internautas me pediram para enviar algum texto meu que favorecesse debates entre os que formam um grupo de jovens sulistas que se reúnem semanalmente aos domingos, via chat, logo depois do jantar, sob o comando do Carlinhos Sá, um vestibulando de Ciências Exatas, que detesta hipocrisias, pietismos, mimimis lacrimosos, BBBs, novelhas, fake news, sempre admirador de bons papos e de muita namoração, muito embora sempre uma de cada vez. Prometido e cumprido, eis o texto enviado:
Acho uma graça danada quando vejo alguém, por necessidade de afirmação, ausência de autoavaliação ou cretinice grossa, autointitular-se de cientista ou coisa semelhante, antes da consagração dos seus pares, colegas e sociedade. Outro dia, numa solenidade de finzinho de manhã, um jovem, recém-despido dos cueiros do terceiro grau, proclamava-se cientista para uma plateia de cinquentões, como se estes fossem um bando de abestados, sem qualquer lastro técnico, nem passado de estudos. Diante da indagação de um dos presentes – Qual a sua definição de cientista? –, o “bichinho” quase se enrosca todo por debaixo da mesa, o riso se explicitando, de forma incontida, nos “olhares sérios” dos demais presentes.
Certamente o douto jovem, notável por autoconsagração, desconhecia a definição de cientista de Yves Coppens, prefaciador do muito oportuno livro Penso, Logo Me Engano, de Jean-Pierre Lentin:
Cientista é uma pessoa como qualquer outra, apenas dotada, no mais das vezes, de qualidades de curiosidade e de um espírito lógico que sua atividade de pesquisa só faz desenvolver, mas também carregada, às vezes, de defeitos de amor-próprio e de um espírito narcísico que sua obrigação de pesquisar só faz exacerbar.
Em outras palavras: por menosprezar uma humildade sincera e desvalorizar as ferroadas de uma sempre saudável autocrítica, alguns deságuam num besteirol atlântico, de luminosidade pirilâmpica, arrotando bosteiras (besteiras fétidas) de tamanhos os mais díspares.
No livro-vacina do Lentin, que retrata magnificamente a história do besteirol científico desde os tempos pré-socráticos, uma maquiavélica experiência real é narrada. Um gozador grupo de professores do Instituto de Pesquisas sobre o Ensino da Matemática de Grenoble, França, propôs a quinze turmas de um curso primário e secundário local dois problemas de cálculo: O primeiro: “Num barco estão 26 carneiros e 10 cabras. Qual a idade do comandante?” O segundo: “Numa classe, há 12 meninas e 13 meninos, qual a idade da professora?” Os resultados são terríveis: apenas 10% dos alunos do curso primário responderam que o problema era de solução impossível.
Abismados, os professores decidiram ir mais longe. Entregaram os dois “problemas de cálculo” a professores de matemática que, no Instituto, faziam estágio. A desgraceira também foi geral! Muitos dos estagiários, desesperados por não encontrarem uma resposta cientificamente à altura dos seus conhecimentos, recorreram aos núcleos de processamento de dados, ficando todos com-puta-dor de cabeça, no frigir dos ovos.
Cientificidade e maturidade emocional são irmãs siamesas, inoperáveis.
A inesquecível pensadora francesa Simone de Beauvoir (1908-1986), autora do livro O Segundo Sexo, que deveria ser lido e relido nestes tempos de feminicídios machistas estupidificantes, proclamava como alerta aos pensantes mais velhos do mundo atual:
“Para que a velhice não seja uma irrisória paródia de nossa existência anterior, só há uma solução, continuar a perseguir fins que deem um sentido à nossa vida: dedicação a indivíduos, à coletividade, a causas, trabalho social ou político, intelectual, criador, evitando que façamos um retorno sobre nós mesmos.”
O futuro pertencerá aos que pensarem e agirem de uma maneira totalmente diferenciadas. O mundo contemporâneo está sendo reinventado pelos mais diferenciados procedimentos evolucionários. A ilusão da certeza deixou inúmeros com a cara no chão, posto que, para eles, sem a certeza o mundo ficará confuso. A mão invisível de Adam Smith dará lugar ao aperto de mão invisível, pois guetos de ricos e guetos de pobres jamais servirão para o bem de todos. E o capitalismo sem rédeas sempre será seu próprio e pior inimigo.
Um recado final: nunca esmoreça a capacidade de ser permanentemente um curioso, um perguntador, sempre desenvolvendo novas habilidades e despertando novos interesses. Sendo sempre, a la Raul Seixas, uma metamorfose ambulante.
Fernando Antônio Gonçalves é pesquisador social