1496 – ASTÚCIAS DO SANTO ESPÍRITO
O mano caminheiro João Silvino da Conceição, às vésperas do Carnaval 2023, costuma repetir, com base na sabedoria popular, que “Deus escreve certo por linhas tortas”, e que “o Espírito Santo possui manhas que deixa o diabo fulo de raiva, derrotado sempre”.
Eu endosso a tese do João, tomando por base a consagração editorial de O Código da Vinci, do Dan Brown, uma trama espetacular, envolvendo fatos históricos, sociedades secretas, uma boa pitada de erudição, uma teia bem urdida e uma fofoca de lascar o cano, a do envolvimento amoroso de Jesus Cristo com Madalena, gerando descendentes que hoje moram na França.
Tento compreender as manhas do Santo Espírito: numa conjuntura de teologias rasas, a produzir igrejas anêmicas e acomodadas, onde pulinhos aeróbicos e promessas engabeladoras são excelentes motes para acumulações financeiras, O Código Da Vinci propiciou, até agora, no Brasil, a edição de alguns livros, esmiuçando o livro do Brown no que ele tem de verdade e de caviloso: Os Segredos do Código, A Fraude do Código Da Vinci, Quebrando o Código Da Vinci, Revelando o Código Da Vinci, Decodificando Da Vinci, Desmascarando o Código Da Vinci e O Código Da Vinci Descodificado. Cada um mais investigativo que o outro, todos reavivando, direta ou indiretamente, a figura de Jesus de Nazaré, sua história e seus ensinamentos.
E as manhas do Santo Espírito estão voltadas para a classe média cristã de todas as denominações que ainda estudam, embora necessitem despertar de uma alienação política, desde quando se aliou acriticamente com o internacionalismo financeiro, “apiedando-se” dos excluídos através de campanhas paliativas modelo vale-sobrevivência, que às vezes ajuda, embora nunca liberte, tampouco amplie cidadania.
O reavivamento provocado pela astúcia do Santo Espírito não pode resvalar para um sentimento de impotência coletiva, como se tudo já estivesse arbitrado, nada podendo ser alterado. A capacidade de desenvolver um novo marco teológico-pastoral, incentivada pelo Santo Espírito através das provocações de O Código Da Vinci, deve ser uma iniciativa semelhante àquela feita pelos idealizadores do Congresso Internacional de Evangelização Mundial, realizado em Lausanne, 1974. Semelhante, nunca copiada, pois as condições para um ajuntamento planetário não são necessárias, mormente para os que percebem que “o machado já está posto à raiz das árvores” (Lc 3,9). Vale, isto sim, um Congresso Mundial de Evangelização simultâneo em todos os rincões da Terra, utilizando-se a Internet como instrumento evangelizador dos tempos contemporâneos, o comando do evento delegado ao Conselho Mundial de Igrejas.
As provocações do Santo Espírito, para evangelizar os pobres, provocando neles a ampliação de uma visão profética para a libertação de todos, incluindo a dos excluídos beneficiários dos alienantes vale-transporte, vale-refeição, vale-gás, vale-estudo, vale-bolsa, vale-voto, vale-corrupção, valendo também desesperanças no frigir dos ovos, balizam para estratégias não contempladas nos dois primeiros testamentos. Urge apreendê-las devidamente, percebendo as causalidades, abjurando as casualidades, a ninguém sendo permitido, por maior que seja a bondade demonstrada, “rasgar um retalho novo para colocar numa roupa velha”, tampouco “pôr vinho novo em odres velhos”, a favorecer um “tá tudo dominado”, tal e qual cantado por roqueiros nunca ensandecidos, também instrumentos do Santo Espírito.
Sei que muitos – pastores, padres, bispos e arcediagos – não se conformam com o “amai os vossos inimigos, fazei o bem aos que vos odeiam, bendizeis os que vos amaldiçoam, orai por aqueles que vos difamam” (Lc 6,27-28). Nem sempre entendendo por que “quem põe a mão no arado e olha para trás não se encontra apto para entrar no Reino de Deus” (Lc 9,62)
Travar o bom combate é preciso, vitimar-se não é preciso, porque “nada há de encoberto que não seja revelado”, lição magistral transmitida pelo evangelista Lucas.
Fernando Antônio Gonçalves é pesquisador social