1486 – PRECE DO SER MADURO


Para aquelas pessoas maduras que estão se sentindo inúteis ou com pouca valia diante de um cotidiano aceleradamente estrepitoso, indico a leitura diária de uma pequena oração, encontrada numa gaveta de escrivaninha de senhora de classe média quase alta pernambucana, nordestina de quatro costados, oitente e três anos, testemunha ocular dos ontens faustosos por aqui acontecidos, dela distanciados pela ausência de folgado numerário e desaceleração dos encantamentos físicos. Um texto redigido de próprio punho, uma prova inequívoca de busca por uma postura compatível com a maturidade dos anos já chegados. Ei:la:

Pai, agora que não estou mais no tempo de alimentar tolas ilusões, aguça todos os meus sentidos, para que eu possa perceber a beleza das realidades terrestres.

Pai, agora que as mil opções foram feitas e inúmeras portas se fecharam em definitivo, dai-me o dom da aceitação para que as renúncias não sejam um fardo demasiadamente pesado para meu resto de viver.

Pai, agora que a soma dos meus inúmeros erros derrubou as ilusões de onipotência, não retire nunca o meu ideal de continuar tentando acertar, sempre contando com a Sua Graça infinita.

Pai, agora que os incontáveis desenganos e incompreensões ampliaram o meu ceticismo, conserva minha boa fé na Humanidade e a minha firme disposição de continuar bem servindo às criaturas, Seus filhos muito amados.

Pai, agora que as forças do meu corpo começam a esmorecer, alerta o meu espírito, livra-me dos comodismos do cotidiano, redobrando minha vontade de permanecer lutando até os últimos instantes de minha existência.

Pai, agora que aprendi a ver a precariedade das coisas, a limitação da nossa luta e a insignificância da nossa altivez, afasta-me dos desânimos desagregadores, ampliando minha auto-estima, deixando-me cada vez mais consciente de que “nada do que foi será, de novo do jeito que já foi um dia”, como diz o Lulu Santos.

Pai, agora que já alcancei o ponto de perspectiva que me dá uma melhor visão do pouco que sei, livra-me da defesa fácil de colocar viseiras e anteparos, e ajuda-me a envelhecer com a mente aberta dos destemidos, dos que sabem suportar as revisões comportamentais até o instante da eternização.

Pai, agora que aumenta o número de criaturas que me olham e esperam alguma coisa de mim, dá-me um pouco de sabedoria, ensina-me a pronunciar a palavra certa, inspira-me o gesto exato, norteia minha atitude, dignifica mais o meu agir com os mais jovens, mais viris, mais bonitos e bem mais dinâmicos.

Pai, agora que perdi a abençoada cegueira da juventude, só podendo continuar amando de olhos bem abertos, redobra minha compreensão sobre a solidariedade humana, ajuda-me a superar todas as mágoas, protegendo-me das amarguras do ocaso.

Finalmente, Pai, concede-me a Graça de não cair na desilusão, de não chorar os meus passados, de continuar sempre disponível, de jamais perder o ânimo de envelhecer sempre jovem, e de chegar à Sua Presença ainda com inestimáveis reservas de amor.”

Para ampliar a espiritualidade de minha gente amada, também recomendo novas leituras que muito clarearão interiores, favorecendo caminhadas mais enxergantes, solidárias e jamais solitárias, beneficiando convivialidades existenciais mais prazerosas, felizes e duradouras, percebendo-se todos como metamorfoses ambulantes recheadas de resiliência para os desafios emergentes. Ninguém se olvidando da recomendação feita pelo notável filósofo holandês Baruch Espinosa (1632-1677), cuja Ética é até os tempos de agora tem sido motivo de amplos debates e análises edificantes: “Não zombar, não lamentar, não detestar, mas compreender.”

Sejamos sempre caminhantes em direção da Luz, jamais se bandeando para as escuridões negativistas.


Fernando Antônio Gonçalves é pesquisador social