1485 – LIÇÕES ENXERGANTES
Encerradas as eleições e proclamados os resultados, também concluídas as presepadas bloqueadoras de alguns criminosos fantasiados de caminhoneiros e iniciadas as atividades da Comissão de Trasição, é chegada a hora de assimilar algumas lições emergidas das apurações. Como simples cidadão, permito-me apresentar, abaixo, enxergâncias pessoais para os leitores sempre amigos. Tudas embasadas em três pilastras.
A primeira, oriunda de um livro que meu saudoso pai me presenteou no Natal de 1977, até hoje, vez por outra relido por mim sempre rabiscativamente: TER OU SER, Erich Fromm, Rio de Janeiro, Zahar, 1977, 202 p. O autor (1900-1980) foi um psicanalista, filósofo humanista e sociólogo alemão. A partir do final da década de 1920, representou um socialismo amplamente democrático e humanista. Suas contribuições para a psicanálise, para a psicologia da religião e para a crítica social o classificaram como um dos pensadores mais influentes do século XX, embora muitas vezes tenha sido cretinamente subestimado no mundo acadêmico. Muitos de seus livros entraram para a lista dos mais vendidos, notavelmente Ter ou Ser (1976). Seus pensamentos também foram amplamente discutidos além do mundo profissional, até hoje sendo motes para debates e novas análises, mesmo diante do atual velocíssimo desenvolvimento tecnológico do planeta. Depois da tomada do poder por Hitler, Fromm mudou-se para Genebra, emigrando, em maio de 1934, para os Estados Unidos, onde trabalhou na Columbia University de Nova York. Fromm defendia a tese de um Humanismo Normativo. Segundo ele, o ser humano tem, não apenas necessidades básicas físicas, mas também necessidades básicas psíquicas enraizadas em sua existência. Concluindo que para a saúde psíquica existem critérios que podem ser ou promovidos ou oprimidos por um dado sistema social. O estado de saúde de uma sociedade pode, portanto, ser amplamente examinado.
A pilastra segunda eu adquiri das minhas continuadas leituras humanísticas, percebendo-me sempre um aprendiz de tudo, sempre apaixonado pelos quatro cantos do Brasil, tornando-se cristão espiritista, helderista mariano, paulino e de carteirinha, hoje, radicalmente transecumênico, sempre me comportando através de um ditado latino que meu saudoso pai Carolino sempre dizia: In medium virtus est. Balizando minha caminhada existencial, sem vitimismos nem coitadismos, de Deus sempre pidão, numa militância permanente para que todos tenha vida e vida em abundância neste imenso palco chamado Vida.
Atualmente, no Brasil, inúmeros profissionais não estão levando na devida conta as mudanças que estão se processando velozmente, achando sempre que tudo está bem, que nada vai acontecer com eles, bastando aplicarem o ensinado nos bancos escolares ou o que foi ouvido dos parentes próximos. Não enxergam que a época do paternalismo já cede espaço a uma era de muita profissionalidade. Em função disso, terminam por fazer um estrago dos diabos em suas carreiras, escondendo o lixo debaixo do tapete ou não percebendo que um pequeno buraco pode afundar um grande navio.
Como terceira pilastra, há uma experiência biológica denominada A Síndrome do Sapo Fervido, que muito certamente alertará os desprevenidos – no interior brasileiro também conhecidos por abilolados – para a premência de uma compreensão mais atilada do que seja desenvolvimento comunitário, oportuníssima numa conjuntura onde a criatividade tornou-se fator indissociável de competência e de compromisso social.
A experiência é a seguinte: um sapo é colocado num recipiente, com água da sua própria lagoa, ficando estático durante todo o tempo em que a água é aquecida até ferver; o sapo não reage ao aquecimento gradual da temperatura da água, morrendo quando a água principia a ferver; o sapo morre inchadinho e feliz. O sapo se ferra porque se sente em casa – a água da sua lagoa –, desapercebendo as circunstâncias que se alteraram.
Na vida profissional, as transformações se tornaram acentuadas a partir dos anos 80, quando das acelerações provocadas por uma globalização que deveria ser mais humana, por força de uma cada vez mais exigente ética planetária. E é por isso que, sem assimilar na devida conta a Síndrome do Sapo Fervido, todo abilolado – releve o leitor a minha nunca renegada nordestinidade –, comporta-se tal e qual o diálogo contido no inesquecível Aventuras de Alice no País das Maravilhas, em que o autor, Lewis Carroll, retrata um diálogo de Alice com o Gato de Chesire. Um texto que muito bem ressalta a importância de como se deve proceder diante dos rumos oferecidos pelo atual mundo do trabalho. Ei-lo:
– Poderia me dizer, por favor, que caminho devo tomar para ir embora daqui? perguntou Alice
– Depende bastante de para onde quer ir, respondeu o Gato.
– Não me importa muito para onde, disse Alice.
– Então, não importa que caminho tome, disse o Gato.
– Contanto que eu chegue a algum lugar, Alice acrescentou à guisa de explicação.
– Oh, isso certamente você certamente vai conseguir, afirmou o Gato, desde que ande o bastante.
Urge, para gregos e troianos, mais que nunca, um repensar da situação, para bem assimilar as razões do questionamento famoso do notável espanhol Ortega y Gasset: Como é possível as rãs discutirem sobre mar, se nunca saíram do brejo?
Fernando Antônio Gonçalves é pesquisador social