1483 – PÓS-ELEIÇÃO, ALGUNS PONTOS


Depois das eleições do último dia 30, guardadas as urnas eletrônicas e proclamados os resultados, lembremo-nos do acontecido numa enfermaria de um hospital público de nomeada. Conto o caso como o caso ocorreu:

Dois homens seriamente doentes foram internados numa mesma enfermaria de um grande hospital regional. O cômodo era bastante pequeno e nele havia apenas uma janela, onde se via a parte exterior da edificação. Um dos pacientes tinha, como parte do seu tratamento, permissão para sentar-se na cama por uma hora durante as tardes. Sua cama se situava bem próximo da tal janela. O outro paciente, contudo, por força de recomendação médica, passava todo o seu tempo deitado, de barriga para cima, restando-lhe tão somente o direito de ficar olhando para o teto do compartimento.

Todas as tardes, quando o homem, cuja cama ficava perto da janela, era colocado em posição sentada, ele passava o tempo que dispunha descrevendo para o companheiro o que via lá fora. Segundo ele, da janela se descortinava um lindo parque, onde havia um lago com patos e cisnes, todos eles beneficiados pelos nacos de pão atirados pelas crianças que passeavam em seus barquinhos de madeira, devidamente supervisionados pelos seus pais ou responsáveis. Na relva, situada ao redor do lago, jovens namorados, de mãos dadas, trocavam juras de amor por entre árvores e flores, enquanto inúmeros jogos se desenrolavam ao longo dos espaços destinados à prática de esportes. Ao fundo, por detrás das últimas fileiras de arbustos, avistava-se o belo contorno dos prédios da cidade, com suas antenas parabólicas revelando a chegada de múltiplas comunicações, nacionais e internacionais.

O homem que estava deitado ouvia atentamente o companheiro descrever tudo isso, saboreando com avidez o que estava sendo descrito nos mínimos detalhes. Escutou atentamente sobre como uma criança quase caiu no lago e sobre como as garotas estavam bonitas em seus vestidos de verão, cabelos bem cortados, corpos bem delineados e sorrisos de alegria, irradiando felicidade por todos os poros.

Numa tarde de maio, no homem sempre deitado ocorreu um pensamento: por que o paciente que ficava perto da janela deveria sozinho ter todo o prazer de ver o que estava acontecendo lá fora? E por que ele não poderia ter também a chance de contemplar o que estava acontecendo no mundo exterior? Sentiu-se um tanto envergonhado pelo sentimento de inveja, mas quanto mais tentava não pensar assim, mais queria que ocorresse uma reviravolta da situação. E ele faria qualquer coisa para que isso acontecesse.

Numa noite, o homem da janela, subitamente, acordou sufocado. Debatendo-se desesperadamente, suas mãos procuraram inutilmente o botão que alertaria a enfermaria. Ao lado, indiferente ao drama, seu companheiro de ambiente hospitalar não moveu uma palha sequer em defesa do infeliz, mesmo quando a respiração dele parou por completo.

Pela manhã, o corpo do falecido foi levado para o necrotério, para os preparativos do sepultamento. Tão logo o falecido saiu da enfermaria, o outro perguntou se poderia ser colocado na cama perto da janela. Sendo prontamente atendido, viu-se devidamente aconchegado sob novas cobertas.

Sentindo-se só, apoiou-se sobre os cotovelos, esticando-se ao máximo para ver também o mundo do lado de fora da janela. E viu apenas um muro, igualzinho aos demais.

Principiando mortalmente a se desesperar, o novo inquilino da janela percebeu que a Vida é, sempre foi e será, aquilo que nós a tornamos. E se desencarnou também.

A historinha acima, fato acontecido, revela alguns sinais, ultrapassadas as eleições últimas. Algumas:

  1. Conservadores e progressistas sempre debaterão suas ideias, não se devendo permitir jamais as influências nocivas de sectários incultos, que apenas contemplam orgasmicamente os seus próprios interesses, sem uma mínima solidariedade para com seus próprios derredores planetários.
  2. A emergência de uma ampla capacitação de todos – conservadores e progressistas – diante de uma emergente reconfigiração planetária, com complexidades nunca vistas e soluções já quase presentes nos ambientes pensantes mais equilibrados. Recomenda-se para todos um trabalho onde se demonstra uma nova enxergância analítica: CONECTANDO AS CIÊNCIAS HUMANAS: NOVOS OLHARES SOBRE A TRANSDISCIPLINARIDADE, Albenides Ramos e Mário Luís Grangeia, Curitiba PR, Appris Editora, 2020, 367 p. Páginas que favorecessem um repensar sobre as exigências retóricas que ultrapassam os limtes de uma concretude social palusível.
  3. Para os que possuem uma postura conservadora, nunca reacionária, jamais tridentina, uma outra leitura oportuna: O CHAMADO DA TRIBO, Mário Vargas Llosa, Rio de Janeiro, Objetiva, 2020, 214 p. Leituras que moldaram o pensamento de um notável Prêmio Nobel de Literatura, que muito se frustrou com as alucinações esquerdopatas de algumas lideranças, sem perda jamais da sua racionalidade de QI elevado.
  4. E uma leitura Século XXI para gregos e troianos bem pensantes e solidários: HOMO INTEGRALIS: UMA NOVA HISTÓRIA POSSÍVEL PARA A HUMANIDADE, Fe Cortez, São Paulo, LeYa Brasil, 2021, 360 p. A autora é uma liderança ativista e criadora do Menos 1 Lixo, movimento referência em práticas sustentáveis do Brasil. Páginas que ressalta a inteligência da mulher brasileira, num mundo saturado de testosterona machista de consequências nada salutares.

E que todos, conservadores e progressistas, assimilem sempre uma recomendação emitida pelo ensaísta e filósofo Gilbert Keith Chesterton (1874-1936): “Há homens que fazem com que todos se sintam grandes e há anões mentais que torcem para que todo o mundo se torne um anão como ele.”

Sejamos sempre grandes, apaixonados pela Vida, jamais impensantes, ruminantes e predadores!


Fernando Antônio Gonçalves é pesquisador social