1481 – PAPOS SEMENTEIROS
Uma iniciativa que bem poderia ser repetida em muitos lares brasileiros pensantes. Uma historiadora e psicanalista francesa, referência consagrada nos quatro cantos civilizados do planeta, reuniu seus netos Lucie (11 anos), Zoé (12 anos), Ninon (8 anos), Karine (9 anos), Émile (11 anos), Vitya (11 anos) e Gabriel (13 anos), para um papo sobre o que eles pensavam sobre alguns assuntos ainda pouco assimilados nas suas respectivas faixas etárias: inconsciente, sonho, cérebro e sexualidade.
Das reuniões, surgiu a ideia de confeccionar um texto didaticamente esclarecedor, destinado às meninadas de todas as famílias pensantes, favorecendo uma maior enxergância comportamental e analíticas dos ainda possuidores de inúmeras dúvidas existenciais: O INCONSCIENTE EXPLICADO AO MEU NETO, Elisabeth Roudinesco, São Paulo, Editora Unesp, 2019, 118 p. Esclarecimentos que ampliam a criticidade, desconstroem invencionices e favorecem uma aceleração cognitiva dos que ainda se encontram nas primeiras fases educacionais, reestruturando coletivamente, nas décads futuras, o que é hoje “um país que pensa pequeno”, utilizando a expressão do empresário mineiro Romeu Zema, governador reeleito nas última eleições, em entrevista concedida à revista VEJA, edição 2811, de 19 de outubro passado.
No pequeno notável livro, Roudinesco ensina primeiramente aos pequeninos agrupados como compreender, sem pressa, aquilo que não estamos enxergando, exemplificando com a ideia de um iceberg, aquele bloco enorme perto do Polo Norte, composto de duas partes diferentes: uma acima da superfície e a outra, bem mais agigantada, mergulhada na profundeza do oceano, esta parte bem mais importante e perigosa que a primeira.
Respondendo a uma curiosidade de um dos netos, a psicanalista de imediato esclareceu que “o inconsciente fica no cérebro, essa massa química encerrada dentro da cabeça e que se compõe de tubos a que chamamos células ou neurônios, parecidos com trilhas de montanhas com túneis encaixotados uns nos outros.”
Depois do primeiro lanche da primeira reunião, a Karine fez uma pergunda que todos aplaudiram: – De onde vem a alma? Do além, dos outros planetas, ou de Deus? A resposta da psicanalista animou ainda mais a reunião: – Do interior de você mesmo, mas também da cultura e das religiões. Você sabe que os judeus foram os primeiros seres humanos nos tempos antigos, há mais de 10.000 anos, a crer num deus único, ainda quando eles eram escravos no Egito. Depois veio o cristianimo com Jesus, seguido pelo Islã, com Maomé, duas religiões que continuam o judaísmo. Denominadas religiões monoteístas, elas afirmam que a alma dos seres humanos é Deus, e Ele também é o inconsciente. E advertiu a meninada: – As religiões são sempre intolerantes quando afirmam dominar a consciência por meio do amor. E logo arrematou: – É por isso que é preciso deixar Deus longe de qualquer influência sobre o pensamento e o Estado. Senão, estaremossubstituindo o “penso, logo existo” por “creio, logo Deus tem rãzão”. E findou: – Necessitamos exercer a laicidade, nos protegendo sempre dos fanatismos, respeitando sempre a liberdade de cada um de acreditar no que quiser, sempre contemplando os seres humanos governados segundo os princípios do direito e da razão.
Numa das sessões seguintes, um dos menores perguntou de sopetão: – Vovó, as crinças têm inconsciente? E a psicanalista vovó logo esclareceu: – Todas têm, mas são inconscientes frágeis. Eles se formam gradativamente, quando ocorre a aprendizagem da linguagem e da fala. A Ninon, que tem 8 anos, não sabe o que é inconsciente, mas a Zoé, sua irmã mais velha, já sabe definir o que seja. Mas ambas já têm consciência de que possuem algo desconhecido dentro de si.
Uma outra neta pergunta, ao final de uma das sessões mais atentas: – Vó, existe um meio de evitar o lado sombrio do inconsciente se torne dominante, como no caso do nazismo?
E a Dra. Roudinesco, uma referência mundial, muito sensibilizada por alguns fatos familiares acontecidos, respondeu com muito propriedade: – Depois dos horrores praticados pelo III Reich, os cientistas do mundo buscaram criar uma ciência, que tornasse impossível a repetição das barbáries cometidas na Segunda Guerra Mundial. Surgiu a cibernética, que possibilitou a expansão das comunicações entre os povos. E foi graças à cibernética que a informática se desenvolveu. E que ampliou muito as comunicações entre as regiões terrestres, favorecendo informes e projeções sobre fatos acontecidos, potencializando uma nova Cidadania Mundial, que muito reduzirá o praticado por debaixo dos panos.
E a meninada chegou ao final do papo, encarecendo outros papos com a vovó fantástica, apresentando uma recomendação que se espalhou pela família inteira: Somente através de uma ampla capacitação dialogal humanística, serão superadas as complexidades do século atual, favorecendo amanhãs mais racionais, justos e solidários entre povos, regiões e administrações públicas, empresariais e comunitárias.
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Fernando Antônio Gonçalves é pesquisador social