1471 – ENXERGÂNCIAS & BINOCULIZAÇÕES


Diante da estupendamente autofagia por uma crescente desuducação, é possível identificar uma parte substantiva da população brasileira como não possuidora de duas características essenciais para uma digna sobrevivência neste tumultuado, pandêmico e faminto século XXI, onde um velocíssimo desenvolvimento tecnológico se imbrica com cada vez mais vexatória distribuição de renda, sem trabalho nem cidadania: enxergância e binoculização. A primeira significa a posse de uma criticidade analítica capaz de superar complexos de inferioridade social, na busca de uma condição   profissional eivada de muita espiritualidade libertadora, imbricada numa sempre crescente cognitividade profissional militante. A segunda, um senso acurado de antevisão cenarial dos amanhãs planetários, ensejando criativas iniciativas empreendedoras geradoras de rendimentos financeiros, morais e espirituais capazes de favorecer um desenvolvimento comunitário, onde todos tenham vida e vida em abundância, sguindo a recomendação contida no Evangelho de João 10,10.

Um dos primeiros passos, após uma alfabetização consistente até, pelo menos, o Ensino Médio, é não se tornar vítima do Mito da Caverna, a mais famosa alegoria de Platão, contida no Livro VII de A República, o mais lido dos diálogos de Platão. Vejamos, abaixo resumidamente, o que nos diz Platão, através da boca de Sócrates.

Imaginemos homens que vivam numa caverna cuja entrada se abre para a luz em toda a sua largura, com um amplo saguão de acesso. Imaginemos que esta caverna seja habitada, e seus habitantes tenham as pernas e o pescoço amarrados de tal modo que não possam mudar de posição e tenham de olhar apenas para o fundo da caverna, onde há uma parede. Imaginemos ainda que, bem em frente da entrada da caverna, exista um pequeno muro da altura de um homem e que, por trás desse muro, se movam homens carregando sobre os ombros estátuas trabalhadas em pedra e madeira, representando os mais diversos tipos de coisas. Imaginemos também que, por lá, no alto, brilhe o sol. Finalmente, imaginemos que a caverna produza ecos e que os homens que passam por trás do muro estejam falando de modo que suas vozes ecoem no fundo da caverna. Assim sendo, os habitantes da caverna nada poderiam ver além das sombras das pequenas estátuas projetadas no fundo da caverna, ouvindo apenas o eco das vozes. Entretanto, por nunca terem visto outra coisa, eles acreditariam que aquelas sombras, que eram cópias imperfeitas de objetos reais, eram a única e verdadeira realidade e que o eco das vozes seriam o som real das vozes emitidas pelas sombras. Suponhamos, agora, que um daqueles habitantes consiga se soltar das correntes que o prendem. Com muita dificuldade e sentindo-se freqüentemente tonto, ele se voltaria para a luz e começaria a subir até a entrada da caverna. Com muita dificuldade e sentindo-se perdido, ele começaria a se habituar à nova visão com a qual se deparava. Habituando os olhos e os ouvidos, ele veria as estatuetas moverem-se por sobre o muro e, após formular inúmeras hipóteses, por fim compreenderia que elas possuem mais detalhes e são muito mais belas que as sombras que antes via na caverna, e que agora lhes parece algo irreal ou limitado. Suponhamos que alguém o traga para o outro lado do muro. Primeiramente ele ficaria ofuscado e amedrontado pelo excesso de luz; depois, habituando-se, veria as várias coisas em si mesmas; e, por último, veria a própria luz do sol refletida em todas as coisas. Compreenderia, então, que estas e somente estas coisas seriam a realidade e que o sol seria a causa de todas as outras coisas. Mas ele se entristeceria se seus companheiros da caverna ficassem em sua obscura ignorância acerca das causas últimas das coisas. Assim, ele, por amor, voltaria à caverna a fim de libertar seus irmãos do julgo da ignorância e dos grilhões que os prendiam. Mas, quando volta, ele é recebido como um louco que não reconhece ou não mais se adapta à realidade que eles pensam ser a verdadeira: a realidade das sombras. E, então, eles o desprezaram….

A lição que Platão desejou transmitir possui vários princípios:

  1. Ser cada vez mais capacitados para transmitir aos menos favorecidos a causalidade dos atuais sofrimentos humanitários, favorecendo todos na compreensão dos seus direitos e deveres, sempre ensinando que a vida é uma grande dádica de Deus, devendo todos saber viver com uma dignidade solidária, cumprindo suas obrigações para com o todo planetária.
  2. Perceber-se sempre uma metamorfose ambulante, a la Raul Seixas, interna e externamente se aprimorando através de leituras, debates, capacitações e participações, favorecendo sempre uma boa caminhada pessoal, profissional, familiar e comunitária.
  3. Nunca menosprezar o autoconhecimento, reconhecendo ser através dele que a personalidade se desenvolve, amadurecendo cada vez mais, evitando os incômodos psicossomáticos.

Por fim, entenda bem algumas reflexões do inesquecível arcebispo metropolitano Dom Hélder Câmara (1909-1999): “Até um relógio parado tem razão duas vezes ao dia”; e “Quando mais terrível   é a noite, mais radiante a madrugada”; “O verdadeiro cristianismo rejeita a ideia de que uns nascem pobres e outros ricos, e que os pobres devem atribuir a sua pobreza à vontade de Deus”; “A melhor maneira de ajudar os outros é provar que eles são capazes de pensar”.

  1. E nunca se olvide do pensar de William Cowper, um cientista arretado de humanista: “Seguir precedentes tolos e piscar com os dois olhos é mais fácil do que pensar”.

No mais, se desejar, leia umas páginas escritas por uma mulher que se iniciou numa empresa como sacoleira e terminou como diretora nacional de uma das maiores empresas brasileiras: GENTE FELIZ NÃO ENCHE O SACO: NOVOS TEMPOS EXIGEM NOVOS COMPORTAMENTOS – APRENDA A CUIDAR DE VOCÊ E DOS OUTROS, Erika Linhares, Rio de Janeiro, Best Business, 2020, 140 p.

Cuide-se bem e se sinta cada vez mais abençoada pela Criação!


Fernando Antônio Gonçalves é pesquisador social