1470 – UM HOMEM DE MUITOS SÉCULOS


Certa feita, quando adolescente, o notável pensante pernambucano Cristovam Buarque, ex-Ministro da Educação do Brasil, declarou que muito gostaria de ser como Darcy Ribeiro. Hoje, ele declara, sem qualquer fingimento, que gostaria de ser como Edgar Morin, que comemorou, em 8 de julho de 2022, seu 101º. aniversário. Um antropólogo, sociólogo e filósofo francês, de origem sefardita, pesquisador emérito do CNRS – Centre National de Recherche Scientifique, autor consagrado de mais de 30 livros, entre os quais O método (6 volumes), Introdução ao pensamento complexoCiência com consciência, Educação e complexidade, além do texto Os sete saberes necessários   para a educação do futuro, todos eles de muita ampla repercussão mundo afora.

Em homenagem ao centenário do nascimento do Morin, em 2021 foi editado um livro sobre a sua caminhada intelectual, composto por especialistas brasileiros: EDGAR MORIN, HOMEM DE MUITOS SÉCULOS: UM OLHAR LATINO-AMERICANO, Elimar Pinheiro do Nascimento, Maurício Amazonas, Alfredo Pena-Vega (organizadores), São Paulo, Edições SESC São Paulo, 2021, 360 p. Páginas que expressam reconhecimento, respeito, admiração e amor pela presença desse peregrino planetário na América Latina, em diversas oportunidades, “sempre plantando sementes, polinizando novas mentes e transformando  os corações de todos aqueles e aquelas que lutam, de forma persistente e consistente, em prol de uma educação transformadora do pensamento e da ação humana associada a uma nova ética planetária, pautada na autocrítica sem visão maniqueísta do mundo”, como bem proclama a professora e pesquisadora PhD em Educação Maria Cândida Moraes, aposentada da Universuidade de Brasília. Segundo ela, a homenagem é prestada por quem “nos alerta sobre a necessidade de construir novas estruturas de pensamento e de usar novas ferramentas intelectuais que nos ajudem a pensar melhor, a problematizar o real, a dialogar com a tecnologia, com o mundo e com a vida.”

Morin é considerado um dos principais pensadores contemporâneos e um dos principais teóricos do campo de estudos da complexidade, que inclui perspectivas anglo-saxônicas e latinas. Sua abordagem teórica é conhecida como “pensamento complexo” ou “paradigma da complexidade“. Ele não se identifica como “teórico da complexidade” nem pretende limitar seus estudos às chamadas “ciências da complexidade“. Nascido em Paris, filho único de uma família judiasefardita, seu pai, Vidal Nahoum, era um comerciante originário de Salônica. Sua mãe, Luna Beressi, faleceu quando Morin tinha 10 anos. Ateu declarado, descreve-se como um neo-marrano. Estudou direito, história, filosofia, sociologia e economia. Em 1942, obteve a licenciatura em direito e em história e geografia.

Em 1941, adere ao Partido Comunista, «num momento em que se sentia, pela primeira vez, que uma força poderia resistir à Alemanha nazista».

Entre 1942 e 1944, participou da Resistência, como tenente das forças combatentes francesas, adotando o codinome Morin, que conservaria dali em diante.

Durante a Libertação é transferido para a Alemanha ocupada, como adido ao Estado Maior do Primeiro Exército Francês na Alemanha, em 1945, e, em 1946, como chefe do departamento de propaganda do governo militar francês. Nessa época, escreve seu primeiro livro, L’An zéro de l’Allemagne (“O Ano Zero na Alemanha”), publicado em 1946, no qual descreve a situação do povo alemão no pós-guerra. O livro foi muito apreciado por Maurice Thorez, que o convida a escrever para a revista Lettres françaises.

A partir de 1949, distancia-se do Partido Comunista, do qual será excluído em 1951, por suas posições antiestalinistas.

Morin afirma que, diante dos problemas complexos que as sociedades contemporâneas enfrentam, apenas estudos de caráter inter-poli-transdisciplinar poderiam resultar em análises satisfatórias de tais complexidades: “Afinal, de que serviriam todos os saberes parciais senão para formar uma configuração que responda a nossas expectativas, nossos desejos, nossas interrogações cognitivas?

No livro Os sete saberes necessários à educação do futuro, Morin apresenta o que ele mesmo chama de inspirações para o educador ou os saberes necessários a uma boa prática educacional.

O conhecimento complexo não está limitado à ciência, pois há na literatura, na poesia, nas artes, um profundo conhecimento. Todas as grandes obras de arte possuem um profundo pensamento sobre a vida. Segundo o próprio Morin, devemos romper com a noção de que temos as artes de um lado e o pensamento científico do outro.

Ler o livro que homenageia Morin em seu centenário de nascimento é também se assumir como um latinoamericano crítico e analítico, sem medo nem ódio dos incultos e sectários.


Fernando Antônio Gonçalves é pesquisador social