1466 – UTOPIAS E CACAREJADAS
A binoculização dos amanhãs do planeta é o mote principal de todo final de ano, quando inúmeros metendo a colher no caldo das profecias e estimativas, algumas até de razoável bom senso. A diferenciar da grande maioria, recheada de baboseiras e/ou puxasaquismos, que terminam por prestar um gigantesco desserviço às nações necessidades que não mais desejam ser massa de manobra dos que se encarapitam nos imperiais poderes, sem solidariedade alguma pelo sofrimento de milhões.
Muitas análises são contundentes para com os daqui e os do exterior. De um ex-presidente da Andes: o MEC parece perdido entre projetos específicos e a busca infrutífera de recursos. O abandono financeiro não só continua, mas se agrava. E a proposta para 2023 é ainda pior. Com as corrupções campeando solta.
Do César Benjamin, autor de A Opção Brasileira, Contraponto, muitas edições: Lula atuou metodicamente para demolir a capacidade de organização e mobilização das forças sociais que podem ajudar a mudar o Brasil, que paradoxalmente são as forças que o conduziram à presidência da República. Pregou a paralisia, difundiu o conformismo, infantilizou o povo.
Do José Arbex, jornalista de nomeada, atualizando: o Partido dos Trabalhadores de 2022 é a versão taxidérmica ou mumificada do PT de 1979. Nada há nele que lembre o vibrante espírito do partido criado no calor das manifestações sindicais do ABC, responsável pelo aceleramento da queda da ditadura. O PT é hoje uma couraça ressequida, controlado por burocratas engravatados.
De Salam al Obaide, médico, 26 anos, ex-secretário-geral da Doctors for Iraq Society e líder dos protestos contra a ocupação americana: eu pedia antibióticos que previnem infecções, para evitar as amputações. Mas as organizações que estavam aqui em Bagdá não fizeram nada. Não quero mais ouvir falar em organizações de direitos humanos. Estou cheio dessa merda.
E de Frei Betto, autor de Gosto de Uva, lançado numa véspera de Natal: neste ano, faça-se também o novo. Para nascer de novo não é preciso retornar ao ventre materno. Basta dar ouvidos à própria intuição, agir com humildade e sintonizar-se com o Transcendente. Na radical disposição de, daqui para frente, não se deixar consumir como um mingau comido pelas bordas.
Para os desabiscoitados, ainda uma minoria abraâmica que pode dar novos rumos à existencialidade humana, recomendo um livro magrinho, 120 páginas, de autoria de um especialista em assuntar alternativas históricas para a atual ordem mundial, que se encontra em vias de desintegração multissetorial, mormente após uma pandemia assassina que vitimou milhões.
Utopística, nome do livro, é “uma avaliação profunda das alternativas históricas, o exercício de nosso juízo para examinar a racionalidade substantiva de possíveis sistemas históricos alternativos”. Seu autor, Immanuel Wallerstein, foi diretor do Centro Ferdinand Braudel, na Universidade de Binghamton. A utopística tem tudo a ver com uma conciliação entre ciência, moralidade e política, na direção de um fim que preserve os valores pilastras da civilização planetária, posto que, no final das contas, a maior tragédia contemporânea é a da perda da legitimidade sistêmica, acarretando a torredebabelização do todo.
Proponho também um exercício. Convide pessoas, de idades diferenciadas e não mais que oito. Releiam as opiniões acima transcritas e debatam sob as seguintes questões:
– Por que perdemos de vista as grandes questões que vão definir o que o Brasil será no século XXI?
– Por que hoje, se somos bem mais fortes que nos anos 50, os setores públicos que se dizem socialmente responsáveis só vivem de cortar, vender, desnacionalizar, fatiar, desmontar, desfazer, negar, contingenciar e demonizar os seus funcionários?
– Por que tanto marketing, slogans, anúncios, demagogias, fingimentos e jogo de poder diante de uma sociedade civil que ainda se encontra muito aquedada?
Após ampla discussão, peça a todos que cuidem carinhosamente dos seus títulos eleitorais. Para começar também a comer pelas beiradas, em outubro que vem. Que nem a recomendação do Frei Betto. Para uma ampla redignificação da nossa Pátria Brasil!!
Fernando Antônio Gonçalves é pesquisador social