1465 – ALEGRIAS & TRISTEZAS


  1. Gosto, quase me enroscando, de apreciar e reproduzir posicionamentos de gente sábia pensante, de QI gota serena de alto, arretado de ótimo. Acredito ter encontrado um modo de, assim procedendo, combater as hipocrisias que, em épocas várias de cada ano, mormente as mais religiosas, emergem com intensidade, incomodando pra caramba os que abjuram acrobáticos fingimentos e melosas adulações. E que enchem, a cada comemoração, por exemplo, os sacos de todos os crentes e descrentes.
  2. Para os que se imaginam senhores do mundo, a la Bolsonaro, Putin e outros MI – Mandantes Inconsequentes, pulhas aceitos por sociedades que ainda não dimensionaram o quanto estão sendo vilipendiadas pelas ações que escamoteiam as razões reais de uma exploração capitalista dominante, a estocada do notável Ludwig Wittgenstein, o mais irrequieto filósofo do século XXI, é mais que oportuna: “Não tente cagar mais alto do que o seu rabo”. Uma ferroada que fica compreendida com mais nitidez quando se toma conhecimento da advertência do professor Samuel Huntington, um dos notáveis de Harvard: “Aos olhos do mundo, os Estados Unidos estão se tornando uma superpotência desonesta e sem caráter”.
  3. Outro dia, pouco tempo antes do início dessa pandemia assassina chamada COVID-19, muito mal combatida, no Brasil, por um sistema de saúde que “só pensa naquilo” ($$$), num restaurante de classe média, Sissa e eu assistíamos atônitos as conversas em altos brados de duas mesas juntas carregadas de exibidas parvoíces, daquelas que estão revestindo reuniões de apoucados mentais. Um amigo meu, inteligente que só, sentado numa mesa ao lado da nossa, botou o dedo na ferida, exclamando alto e bom som: – Meu Deus, quanta idiotice junta! E eu pensava que só quem gostava de bunda era penico”. Os aplausos do entorno emudeceram as duas histéricas mesas-estrebarias.
  4. Numa das minhas últimas aulas, já quase aposentado, numa área de Ciências Humanas de uma instituição de ensino superior local, em aula que se findava um arroto acanalhadamente deselegante deixou os sadios alunos presentes petrificados, sem um riso sequer estampado. Sem perder tempo nem a ternura, logo esclareci: – Gente amiga, informo que o adestramento de cavalos se faz, com uma competência ímpar, no Regimento Dias Cardoso, num bairro bem pertinho daqui. E sem necessidade de ferraduras. Até hoje, dizem os colegas do jumentálico, o discente animal se ressente da gracinha feita. Segundo os colegas, ele jamais possuirá uma sadia profissionalidade.
  5. Diante de uns papos expositivos sobre globalização, um dos presentes foi   incisivo e esclarecedor: “A globalização é uma farsa. Nunca vi rede de franquia de caldo-de-cana e pão doce em Washington, de tapioca em Londres ou de acarajé em Paris. Nunca vi um festival de xaxado em Roma. Globaliza-se em mão única o poder, os interesses e a cultura da Nova Roma”. E logo recomendou um livro que tinha lido, editada recentemente em 32ª. edição: POR UMA OUTRA GLOBALIZAÇÃO: DO PENSAMENTO ÚNICO À CONSCIÊNCIA UNIVERSAL, Milton Santos, Rio de Janeiro, Record, 2021, 194p. O autor (1926-2001), baiano arretado de inteligente, que continua sendo lido e muito bem entendido. Na atual edição, o prefácio é de outro baiano notável, Itamar Vieira Júnior. Que diz sem mimimis: “Não haverá salvação para a humanidade neste modelo de globalização, onde a exploração dos territórios e do trabalho humano serve apenas para potencializar a mais-valia, agora universal.”
  6. Ao término do julgamento de Giordano Bruno pela Inquisição Vaticana, uma frase por ele dita ecoa até hoje pelos ouvidos dos que teimam em esconder as verdades por debaixo dos tapetes: “Talvez vosso medo de impor-me esta sentença seja maior que o meu de aceitá-la”. A leitura de um livro recente – O Papa e o Herege, Michael White, Record, 2003 -, relatando todas as fases do processo  descoberto pelo cardeal Angelo Mercati, nos arquivos pessoais de Pio XI, aguça a necessidade de se continuar combatendo os contratempos impostos pelos que detestam transparência e democracia. Integrem eles as igrejas, as polícias, o executivo, a política, o poder judiciário e as estruturas de uma mídia cada vez mais inteligentemente investigativa. São inimigos de sol, posto que adeptos da mais negra escuridão.
  7. Para concluir com uma notícia auspiciosa: viva o nunca esquecido pernambucano Gilberto Freyre, analisado agora, em sua intimidade, pelo escritor Mário Hélio, edição escorreita da CEPE: “Se dependesse de mim, eu não estaria nunca plenamente maduro nem nas idéias nem no estilo, mas sempre verde, incompleto, experimental”. Quando observo alguns profissionais se dizendo amadurecidos, de pronto imagino que um mórbido estado d’alma neles já se instalou. O “estou realizado” é cancro da pior espécie. De difícil cura, antecipa a morte mental e retarda, para os espiritualistas e espiritistas, a construção do Reino. Pior que ele só os hidrocelésticos, aqueles que deixam a gente com o saco encharcado e muito dolorido.

Fernando Antônio Gonçalves é pesquisador social