1460 – APREENSÕES DE UM EDUCADOR VIAJANTE


Sou um leitor que muito aprecia análises feitas por gente inteligente, de cultura muito acima da minha, que escreve para favorecer uma cidadania comunitária, a brasileira, ensejando ampliar uma criticidade analítica que possibilite acelerar mais o desenvolvimento pátrio de todas as regiões e comunidades.

Da Sissa, minha companheira de vida, recebi de Páscoa um livro que muito favoreceu uma visão panorâmica de muitos rincões terrestres: O MUNDOÉ UMA ESCOLA: O QUE APRENDI EM VIAGENS, Cristovam Buarque, Rio de Janeiro, Jaguatirica, 2021, 364 p.

O autor, pernambucano que muito admiro, é engenheiro com PhD em Economia pela Universidade Sorbonne, França, também ex-ministro da Educação e ex-Reitor da Universidade de Brasília, que revela, em 85 pequenos textos, o que aprendeu e apreendeu em visitas feitas a dezenas de países.

Sempre atentando para detalhes vários, mormente os educacionais, o Buarque, no final dos seus textos, ainda estrutura um Glossário de termos que nos convida para uma cidadanização terrestre em plena sintonia com as atuais transformações planetárias, oferecendo uma ampla binoculização sobre sucessos e fracassos, retratos de privilégios e exemplos de resiliência, além de posturas  democratizantes de como não fragilizar mais as atuais civilizações de um mundo que atualmente sofre de uma ampla desorientação geral, utilizando a expressão feliz do Domenico de Masi, italiano também fantasticamente pensante.

Do Glossário elaborado pelo Buarque, explicito abaixo alguns termos que muito seduzirão os analistas para uma leitura amplamente fotográfica das regiões visitadas pelo educador. São elas:

Bolsa Alfa – incentivo social pelo qual um analfabeto é pago para aprender a ler, recebendo ajuda para subsistência e prêmio no momento de conclusão da sua alfabetização.

Apartação – sistema social no qual a desigualdade se transforma em separação efetiva entre ricos e pobres

Bomba Silenciosa – sistema produtivo que depreda o meio ambiente, desarticula as relações familiares, induz migração, ameaça a sobrevivência das pessoas, destrói os patrimônios culturais e compromete a segurança nas ruas.

Suicídio intelectual – abandono do espírito crítico entre universitários e intelectuais.

Revolução prisioneira – revolução cujos propósitos são amarrados pelo oportunismo político, pela dinâmica tecnológica ou por limites ecológicos.

Religião desumanista – aquela que justifica, ética e teologicamente, estruturas sociais do tipo nazista, apartheid, escravocrata ou de discriminação, como a brasileira.

Complexo de Sobrevivência Social – sofrimento de algumas pessoas diante da pobreza que percebem ao redor, vistas pela televisão ou através do vidro do carro em que se deslocam. A síndrome é agravada diante da ausência de uma utopia social que justifique aplicar  neste momento da história.

Desintelógica – lógica usada contra o interesse do portador de inteligência. A bomba atômica e a voracidade do consumo são exemplos da desintelógica do ser humano.

Filósofo da pobreza – pensador que reflete sobre a pobreza e não sobre a riqueza das nações, sempre procurando entender as causas do subdesenvolvimento dos povos.

Monstrópole – maneira de definir a tragédia urbana, social e sanitária das grandes cidades no início do século XXI, especialmente nos países de maioria populacional com baixa renda.

Permanência da maldade – característica de países da América Latina em que se mantém a maldade inicial dos colonizadores contra os indígenas e negros, embora mudando de forma, de estrutura e de legislação.

Neurônios tapados – consequência da negação de educação de qualidade aos povoscoloniados.

O livro do Buarque produz uma cidadanização mundial nas mentes e corações dos leitores, favorecendo uma criticidade mais consistente sobre a atual complexidade planetária, que está a exigir um novo Humanismo para todos os povos e regiões. Com o livro, seguramente saberemos aprimorar o olhar, com nossos passados alertando para os desastres futuros, onde não haja mais navios negreiros nos mares da pós-modernidade, tampouco ignorando uma lição milenar: não se constrói justiça social sobre economia ineficiente. Páginas que farão sempre relembrar uma reflexão do inesquecível Dom Hélder Câmara, insubstituível Arcebispo Metropolitano de Olinda e Recife: “De nada adiante ter corpo de cadilaque se a alma é de jipe.”

Saibamos, lendo o livro do Cristovam Buarque, bem diferenciar modernidade de modernosidade, a primeira necessária, a segunda sempre excremento.


Fernando Antônio Gonçalves é pesquisador social