1458 – SOBRE PLURALISMO RELIGIOSO


Sou um daqueles que acreditam nas manifestações religiosas de todas as crenças, cristãs e não cristãs. E um livro lançado em 2020, de uma editora composta de gente ética e muito competente, somente agora chegou às minhas mãos: DICIONÁRIO DO PLURALISMO RELIGIOSO, Cláudio de Oliveira Ribeiro, Gilbraz Aragão e Roberto Panasiewcz (org.), São Paulo, Editora Recriar, 2020, 312 p.

O dicionário apresenta verbetes de autoria de notáveis pesquisadores(as) brasileirtos(as), integrantes do cenário acadêmico nacional. Os verbetes foram estruturados numa perspectiva crítica e com ampla densidade conceitual, que muito contribuirão para o amadurecimento do pluralismo religioso no Brasil, muito também favorecendo a espiritualidade de todos os cristãos e não-cristãos.

Alguns dos verbetes são por demais oportunos nesta pós-modernidade ainda um tanto complexa e mal delineada, favorecendo reflexões consistentes, amplamente rabiscativas, distanciadas dos malabarismos midiáticos que apenas buscam ibopes maiores, nunca conscientização crescente. Alguns deles, para uma amostra leitural significativa: Direitos Humanos e religião; Diversidade sexual e de gênero; Espíritas no Brasil; Fundamentalismo; Imagens de Deus; Midiatização das religiões; Múltipla pertença religiosa; Pluralidade católica romana; Relativismo salvífico; Teologia feminina; Transreligiosidade; Visão cosmoteândrica.

Demorei-me numa leitura mais lenta em dois verbetes de pessoas que muito admiro. O do Gilbraz Aragão, PhD em Teologia pela PUC do Rio de Janeiro, e professor atual do Programa de Pós- Graduação em Ciências da eligião da Universidade Católica de Pernambuco, tendo integrado o Comitê Nacional de Respeito à Diversidade Religiosa, 2014-2018. E o da Ivone Gebara, PhD em Filosofia pela PUC de São Paulo, também possuindo doutoramento em Ciências da Religião pela Universidade de Louvain, Bélgica. Assessora de movimentos sociais.

Segundo Ivone Gebara, em Teologia feminista e pluralismo, “a intolerância religiosa, ao lado dos interesses econômicos e políticos, é um dos grandes motores que geram um certo tipo de violência, causando, principalmente nos países pobres, a morte de milhares de inocentes, muitos jovens e mulheres.” E ela ainda faz uma vigorosa crítica a visão cristológica sexista, patriarcal, elitista e racista que ainda prepondera em inúmeras instituições religiosas do mundo, qua ainda não percebem a urgente necessidade de “abrir as portas para uma espiritualidade inclusiva capaz de de perceber que os outros diferentes tornam cada pessoa também um outro diferente para os demais.” E não titubeia em afirmar: “Há necessidade de uma mudança mais profunda na forma do pensar cultural, simbólico e religioso. Para isso, é necessária uma antropologia nova, na qual a separação entre corpo, espírito e razão seja superada em função de uma imagem do ser humano vital e constitutivamente interdependente.”

Já o verbete do pesquisador religioso Gilbraz Aragão – Transreligiosidade – analisa as razões pelas quais o fenômeno religioso sempre foi plural no Brasil. Desde os ritos ameríndios, o Catolicismo lusitano e as religiões africanas aportaram em nosso território, formando um conjunto de vivêncas espirituais que foram complementadas por outras denominações cristãs, religiões orientais, muito diversificando o nosso cenário religioso, tornando-o dotado de uma maior vitalidade mística.  Ele analisa como a espiritualidade transreligiosa desafiam uma melhor compreensão do fenômeno religioso e as teologias das religiões, a exigir a aplicação de uma metodologia transdisciplinar na busca de um conhecimento mais arejado da transreligiosidade. Segundo ainda o Gilbraz Aragão, “no Brasil ainda se encontram imbricações outras, tais como a expansão do fundamentalismo, no apedrejamento de terreiros de camdoblé nas periferias e numa disseminação de um projeto conservador de domínio político e cultural, a exigir uma aprendizagem religiosa crítica e transdisciplinar sobre as diversas experiências espirituais da contemporaneidade.”

Um dicionário de notavelmente didáticos 62 verbetes, cada um com sua bibliografia, que muito poderá servir para análises e debates de grupos cristãos e não cristãos pensantes, favorecendo um pluralismo religioso cada vez mais combativo em prol de amanhãs planetários mais condizentes com os objetivos primeiros da Criação. Sempre a diferenciar essência de circunstância.


Fernando Antônio Gonçalves é pesquisador social