1449 – DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL DO JOVEM BRASILEIRO


Ando bastante preocupado, ultimamente, com o desenvolvimento profissional pós Covid-19 da mocidade brasileira. Na conjuntura atual de apelos mil às exterioridades e aos efeitos especiais da tecnologia e da Internet, hoje repletas de exibicionismos arquitetados para engabelar milhões, inclusive eleitores desligadões, tem-se o “parece ser” sufocando o “realmente ser”. O primeiro valorizado em detrimento de um segundo levado ao ridículo pela “galera” dos alienados, desatrelados de uma complexidade histórica, miméticos por grotesca fragilidade cultural, eufóricos num hoje muito atabalhoadamente complexo.

O alerta de um autor muito respeitado, André Comte-Sponville, ratifica as minhas preocupações do agora:  “Nós somos prisioneiros do futuro e de nossos sonhos: de tanto esperar amanhãs que cantam, perdemos o único caminho real, que é o de hoje. No entanto, é preciso viver e lutar, partir para o assalto ao céu, mesmo que esse céu não exista. Precisamos inventar uma sabedoria para o nosso tempo”.

Para os profissionais recentemente egressos das universidades brasileiras, vinte e poucos anos de uma ainda quase adolescência, o pensar do Comte-Sponville pode ser questionado sob outra vertente: será que a Universidade Brasileira, relegando as Humanidades para escaninhos técnico-burocráticos de madeirame carcomido, não estará aviltando a sua própria formação em Ciência & Tecnologia, reduzindo todos a talentos miméticos, sem movimento próprio, dinamismo e energia criadora? Sem minimamente proporcionar, a cada um dos seus concluintes, uma postura epistemológica capaz de definir, delimitar, esclarecer, demonstrar, argumentar, duvidar, desconfiar, estabelecer e refutar teorias emergentes, muitas delas atreladas a interesses puramente financeiros, sem qualquer respaldo ético?

O poeta Fernando Pessoa, talento luso cada vez mais estudado, em 1917, num Ultimatum lucidamente colérico, nos dava boas vergastadas para melhor compreender o grito de Comte-Sponville, indispensável neste século, também outro  milênio: “Passai, frouxos, que tendes a necessidade de serdes os istas de todos os ismos; passai, radicais do Pouco, incultos do Avanço, que tendes a ignorância por coluna da audácia; passai, gigantes de formigueiro, ébrios da vossa personalidade de filhos de burguês, com a mania da grande-vida roubada na despensa paterna e a hereditariedade indesentranhada dos nervos; passai, bolor do Novo, mercadorias em mau estado desde o cérebro de origem; passai, decigramas da Ambição; passai, cerebrais de arrabalde; passai, senhores feudais do Castelo de Papelão; passai, cabeças ocas que fazem barulho porque vão bater com elas nas paredes; passai, absolutamente passai, porque o que aí está não pode durar, porque não é nada!!”.

Percebia o poeta Pessoa, com seu faro premonitório, que somente algo bem mais “solto” que a razão abriria as portas da criatividade, inventando futuros, construindo efeitos diferenciados dos até então moldados, ampliando utopias e assegurando um “gerenciamento” mais eficaz dos riscos assumidos: “Só uma grande intuição pode ser bússola nos descampados da alma”. E mais ele declarou:Frutos, dão-os as árvores que vivem, não a iludida mente que só se orna das flores lívidas do íntimo abismo”.

Seguramente, o sempre mencionado companheiro de Caeiros, Campos e Reis vivia muito além do seu próprio tempo.  Ele bem percebia que a indecisão é um insulto ao progresso e que uma pessoa é jovem na razão diretíssima e perfeita da sua ideia mais nova. Ele anunciava que o sucesso só acontecia para as pessoas que dão mais do que recebem, somente os tolos caindo no conto da varinha mágica.

Para quem deseja ser mais profissional e menos vítima das receitas prontas e apenas fórmulas matemáticas, a leitura de A Companhia dos Filósofos, de Roger-Pol Droit, do Centro Nacional de Pesquisa Científica da França e articulista do Le Monde, pode ser um excelente começo. Um lúcido anteparo para quem não se inclui no setor “pessoas de mínima categoria”.


Fernando Antônio Gonçalves é pesquisador social