1446 – ALIANÇAS E AJUNTAMENTOS
O escritor Gilberto de Mello Kujawski declarou, muito recentemente, em artigo otimamente provocador, que aliança política ou se faz entre iguais ou entre diferentes, nunca devendo ser feita entre opostos. Alianças entre opostos, além de esdrúxulas, terminam sendo tipo convênio pacu, onde uma das partes entra com o espetador e a outra sofrendo as dolorosas conseqüências, o povo se danando todo.
Infelizmente, nas eleições de 2022, o ainda pouco cidadanizado eleitor brasileiro se deparará com ajuntamentos os mais díspares. Alhos e bugalhos de mãos dadas, sorrisões anestésicos estampados entre braços estendidos para o alto, postados para o alto, tal e qual patuléia bem comportada de muitas palmas contratadas, ainda que impregnadas de inquietações, não explicitadas por ignorância ou excesso de obediência. Ou, quem sabe, por um baita complexo de inferioridade, como se ali estivessem reunidos entendidos (poucos) e simplórios (os demais), integralmente sendo menosprezada a diferença, sempre significativa, entre senso comum e bom senso.
A análise feita pelo Kujawski pode ser ainda melhor assimilada a partir dos estudos e relatórios apresentados na Conferência Anual sobre Desenvolvimento Econômico, encerrada dias atrás em Oslo, Noruega, envolvendo estudiosos de múltiplas especialidades. Apesar das reformas que não se traduziram em maior acumulação de recursos humanos e de capital físico, “os males que entravam o desenvolvimento da América Latina são mais profundos e se relacionam a uma práxis política oportunista e sem visão de futuro, explicitada através de políticas públicas excessivamente voláteis”. Afetando todas as categorias sociais, os mais pobres primordialmente.
Para que se possa avaliar, com responsabilidade e sem cavilações, como são danosas as posturas embromatórias resultantes das alianças que a nada conduzem, senão à manutenção grotesca de um subdesenvolvimento econômico-social e cultural autofágico, basta atentar para alguns dados quantitativos nossos. O primeiro deles se relacionando com a nossa classificação humilhante de pior distribuição de renda do mundo. Outros, que também inspiraram cuidados, foram revelados pelo Censo do Ensino Superior do Ministério da Educação. Exemplos: de cada 100 vagas oferecidas pelas universidades e faculdades particulares, 1/3 não são ocupadas; a rede de universidades públicas – estaduais e federais – estão com suas capacidades de investimento quase zeradas, apesar de possuírem 58% dos seus cursos classificados nas faixas A e B, enquanto nas instituições particulares menos de 20% alcançaram tais níveis.
Uma estatística preocupante também nos incomoda: o Brasil tem apenas 7,8% dos jovens entre 18 e 24 anos na universidade, enquanto Chile, México e Argentina possuem acima de 30%. A Coréia do Sul tem 88%, um percentual mais de onze vezes maior que o do Brasil.
A notabilíssima pensadora judia Hannah Arendt dizia que a fúria não é uma reação automática diante da miséria, mas se manifesta quando o senso de justiça é injuriado. Um alerta para os que estão subestimando a banalização da injustiça social, não sabendo diferenciar sofrimento de injustiça.
Que as palavras do Cristovam Buarque, um pensante pernambucano de excelente QI, nos sirvam de norteamento: “O programa de erradicação da pobreza não será resultado de uma revolução social, nem será possível com o poder exclusivo de um partido … mas através de uma coalizão que se fará por razões éticas”.
Com a palavra o povo brasileiro, que aceleradamente está principiando a distinguir azeite de querosene, evitando a cristalização entre os atuais estamentos sociais, tampouco confundindo “filosofia da praxis” com a “praxis do fisiologismo oportunista”. Em uma disputa eleitoral, quem não sabe comer mel, logo cedo se lambuzará todo, ampliando a perenização do mando reacionário, hoje fingidamente travestido de mudancista. Ou de neoliberal.
Fernando Antônio Gonçalves é pesquisador social