1434 – POR UM OUTRO BRASIL
A reconstrução da sociedade brasileira pós pandemia, com alicerces mais democráticos e humanos, tornando-se está na maior aspiração de milhões de cidadãos, principalmente os mais conscientes. Até os menos comprometidos com as manifestações comunitárias, desatentos para os sinais explícitos de emergentes e desagradáveis fenômenos de massa, reconhecem que o atual desenvolvimento econômico-social do país não está superando as mil e uma indisfarçáveis armadilhas da exclusão social, tampouco garantindo uma vida minimamente digna para os que se encontram às portas da chamada miséria absoluta. Nos últimos 30 anos, um modelo econômico perverso foi edificado por uma elite política, fisiológica e imediatista em sua quase totalidade, que enxerga socialmente muito pouco e não entende patavina de participação social, exceto nos meses que antecedem as eleições, quando então se metamorfoseiam em intrépidos defensores de pobres e oprimidos. Num protestar apenas verbal, que mascara um estupidificante conformismo prático, iludem os menos prevenidos e incautos, os despolitizados de sempre, eternas presas fáceis dos sectários. Esses prometem aqui, de imediato, um paraíso terrestre, sem comandantes nem comandados, quando o Estado Absoluto toma conta de tudo e de todos, para felicidade geral das panelinhas.
Os resultados divulgados por instituições científicas brasileiras idôneas, após quase três décadas de desumanos arrochos, não poderiam ser piores: estamos situados num humilhante 74º lugar na escala mundial de desenvolvimento humano, além de sermos possuidores da pior distribuição de renda da área dita civilizada. Em outras palavras: desprezou-se a educação de primeiro e segundo graus, as políticas preventivas de saúde pública ficaram no ora veja, a política habitacional beneficiou um percentual mínimo da classe trabalhadora, o transporte de massa virou drama cotidiano, as tarifas públicas vêm sendo uma das forças estranguladoras das já minguadas rendas familiares. Asfixiou-se a cidadania de dezenas de milhões de brasileiros em troca do acelerado enriquecimento de uma minoria, perpetuando uma situação cavilosa, repleta de descabidos privilégios.
O momento que estamos vivenciando não permite que os mais responsáveis apenas ouçam os fortes clamores de um povo em desespero. Urge um estilo de vida política mais voltado para os prioritários interesses de uma maioria expressiva. Faz-se necessário ampliar a participação de todos, a partir do envolvimento dos lúcidos, fortalecendo uma vontade coletiva na direção de mudanças que eliminem a opressão, a marginalização e a dependência de milhões.
Antigamente, oprimia-se pela força bruta. Hoje, os procedimentos são bem mais sofisticados, hipnóticos até. Somente com o fortalecimento de um ver-melhor, abandonar-se-ão ingenuidades e as dominações serão vencidas. O caminho da libertação do povo brasileiro exigirá muita unidade das forças políticas mais consequentes, não-fisiológicas.
As palavras do ex-governador Miguel Arraes, de Pernambuco, pronunciadas há alguns anos na Assembleia Legislativa do Espírito Santo, servem como indicador de primeira qualidade:
“Temos a obrigação, qualquer que seja nosso passado, de agir de forma impessoal e de pensar em alternativas que sejam do interesse da maioria do povo, sem preconceitos de qualquer natureza, sobretudo nesta hora em que a população vive angustiada, receosa do dia de amanhã, à espera de palavras e atos que comecem a inverter os rumos a que foi levado o nosso país.”
Com um nível mais elevado de profissionalidade, caminhando, cantando, e seguindo a canção, seguramente alcançaremos patamares socioeconômicos menos desiguais, essencialmente não-autofágicos.
Fernando Antônio Gonçalves é pesquisador social