1432 – CARTA DE ESPERANÇA


Recebi, há alguns meses, em pleno início de pandemia, uma carta do Diogo Silva Oliveira, Campina Grande, uma página editada em computador. Sem delongas, reparto-a com os leitores deste site, caminheiros queridos muito estimados.

“Caro irmão nordestino:

Como Martin Luther King, eu também tive um sonho outro dia… Sonhei que o presidente de um país rico, diante da turbulência mundial provocada pela COVID-19, que anda afetando gregos e troianos, convocou os embaixadores do seu país e fez o seguinte pronunciamento:

‘ Vivemos um momento da maior gravidade. Nosso mundo foi atingido brutalmente. São milhões de mortos e centenas de milhares diariamente contaminados. Até nosso país, tido como rico, estarrecido, aguarda uma resposta pra valer contra a pandemia.  Pensei muito! Como responder à brutalidade de um vírus que está destruindo a economia mundial, aniquilando bens de valores incomensuráveis? Como entender o que houve? De onde vem a raiz de tanta contaminação? 

É com enorme dificuldade que anuncio que não é à toa que tanta infelicidade atingiu o planeta. O mundo ficou pequeno pelas telecomunicações. Os fatos ficaram acessíveis a todos, num piscar de olhos. Os avanços tecnológicos estão garantindo ao ser humano uma capacidade de efetivação analítica  impensável há alguns anos. Entretanto, todo esse avanço não tem servido para acabar com a miséria, a fome e as doenças. Fomos à Lua, inauguramos  um turismo espacial e aumenta a população sem casa para morar. Produzimos computadores cada vez mais rápidos, agora 5G, e cresce o número absoluto de analfabetos funcionais no mundo. Desenvolvemos a engenharia genética, desvendamos o genoma humano e, aos milhões, morre-se pela falta de saneamento, de doenças gástricas e de desnutrição. Num mundo de muita desesperança, apresentamos uma insultante opulência, vivendo numa sociedade do desperdício: cada de nós produz 5 kg de lixo por dia; temos 200 milhões de carros com ar condicionado bebendo gasolina cara e poluindo a atmosfera. ; E tivemos receio de assinar  o Tratado de Kyoto, para proteger nossas indústrias poluidoras, que ameaçam a sobrevivência do ser humano, como espécie. Cada um de nós gasta 800 litros de água por dia, enquanto o europeu gasta 200 e o habitante de Madagascar somente 5 litros por dia. Somos causadores diretos de ¼ de todo o efeito estufa que ameaça a vida em nosso planeta, e o nosso consumo médio energético corresponde ao de 3 suíços, 4 italianos, 160 tanzanianos ou 1.100 ruandenses; e apesar de nossa competência tecnológica, não temos tido respeito pelo planeta, distantes muito em eficiência energética.

Fomos nós que criamos sanguinários, treinando-os com nossas armas. É nossa a responsabilidade por ditaduras sanguinárias espalhadas pelo mundo. É a nossa política, com nossos aliados somente tem feito crescer o ódio entre judeus e palestinos. Eles são primos e somente a convivência pacífica e respeitosa entre eles trará paz à região.

A crise pandêmica dos últimos meses me fez abrir os olhos. O terrorismo não é aceitável! Nem o terror individual, nem o terror de Estado que temos praticado sistematicamente. É mais que hora de mudar! Estou, neste momento, convocando todos os dirigentes das grandes nações, responsáveis, como nós, pela sucessão de erros apontados, para uma reunião na semana que vem, quando iremos detalhar as medidas capazes de reverter a situação de injustiça deste nosso mundo. Convoco as nações mais ricas a assumirem, conosco as dívidas do Terceiro Mundo, entendendo que devemos, historicamente, muito mais a eles que eles a nós.’

De todos os lados ecoaram prolongados aplausos. Que me fizeram acordar. E me lembrar do querido dom Hélder Câmara.  E pedi a Deus que nós, brasileiros, nunca sepultemos o ideal do Dom, por um mundo sem fome, sempre altaneiro, solidário e fraterno.”

Espero revê-lo em breve, sem máscara, com Sissa, sua inspiração.


Fernando Antônio Gonçalves é pesquisador social