1428 – ALGUMAS COISAS MAIS SOBRE PAULO FREIRE


Muitos, até os tempos de agora, são admiradores, como eu, do educador Paulo Freire. Outros, por informações cavilosas ou convicções pouco humanísticas, deformam seu ideário, tachando-o de comunista e outros “apelidos” nada justos. Alguns destes últimos ainda manifestam ódio radical às suas ideias, embora nada tenham dele lido, apenas ouvido dizer comentários inconsistentes.

Neste Brasil, entretanto, a coragem de muitos supera os cagaços opinativos dos frouxêncios, aqueles que temem olhar até para seus pintos para não cometerem tentações da carne. E um fato pouco conhecido sobre Paulo Freire, eu o torno ainda mais público, nestes tempos de comemoração do centenário de nascimento do Patrono da Educação Brasileira.

Quando do seu regresso do exílio, a reitoria da UNICAMP pediu ao Conselho Diretor, na pessoa do Professor Titular Rubem Alves um parecer sobre a contratação de Paulo Freire. O pedido pareceu um absurdo e fez lembrar as perseguições que Freire sofreu durante os anos de exílio. Antes, eram passaportes negados, agora eram pareceres procrastinadores. Antes, “coisas da ditadura”, era o repúdio do presidente do MOBRAL e sua comitiva em Persépolis, Irã, em 1975, que obedientes às ordens do governo militar de então se ausentaram para não presenciar a entrega do prêmio internacional da UNESCO que estava sendo conferido ao educador brasileiro; depois da sua chegada do exílio, “rescaldos do entulho autoritário”, na exigência da “legitimidade” de torná-lo Professor Titular.

As palavras de Rubem Alves, um dos intelectuais mais famosos e respeitados do país, falam por si sós:

“O objetivo de um parecer, como a própria palavra o sugere, é dizer a alguém que supostamente nada ouviu e que, por isto mesmo, nada sabe, aquilo que parece ser, aos olhos do que fala ou escreve. Quem dá um parecer empresta os seus olhos e o seu discernimento a um outro que não viu e nem pôde meditar sobre a questão em pauta. Isto é necessário porque os problemas são muitos e os nossos olhos são apenas dois…

Há, entretanto, certas questões sobre as quais emitir um parecer é quase uma ofensa. Emitir um parecer sobre Nietzsche ou sobre Beethoven ou sobre Cecília Meireles? Para isto seria necessário que o signatário do documento fosse maior que eles e o seu nome mais conhecido e mais digno de confiança que aqueles sobre quem escreve…

Um parecer sobre Paulo Reglus Neves Freire.

O seu nome é conhecido em universidades através do mundo todo. Não o será aqui, na UNICAMP? E será por isto que deverei acrescentar a minha assinatura (nome conhecido, doméstico), como avalista?

Seus livros, não sei em quantas línguas, estarão publicados. Imagino (e bem pode ser que eu esteja errado) que nenhum outro dos nossos docentes terá publicado tanto, em tantas línguas. As teses que já se escreveram sobre seu pensamento formam bibliografias de muitas páginas. E os artigos escritos sobre o seu pensamento e a sua prática educativa, se publicados, seriam livros.

O seu nome, por si só sem pareceres domésticos que o avalizem, transita pelas universidades da América do Norte e da Europa. E quem quisesse acrescentar a este nome a sua própria “carta de apresentação” só faria papel ridículo.

Não. Não posso pressupor que este nome não seja conhecido na UNICAMP. Isto seria ofender aqueles que compõem seus órgãos decisórios.

Por isso o meu parecer é uma recusa em dar um parecer. E nesta recusa vai, de forma implícita e explícita, o espanto de que eu devesse acrescentar o meu nome ao de Paulo Freire. Como se, sem o meu, ele não se sustentasse.

Mas ele se sustenta sozinho.

Paulo Freire atingiu o ponto máximo que um educador pode atingir.
A questão é se desejamos tê-lo conosco.

A questão é se ele deseja trabalhar ao nosso lado.

É bom dizer aos amigos:

” – Paulo Freire é meu colega. Temos salas no mesmo corredor da Faculdade de Educação da UNICAMP…”

Era o que me cumpria dizer.”

Este parecer datado de 25 de maio de 1985, escrito por Rubem Alves, Professor Titular II, está protocolado sob nº. 4838/80, nos registros administrativos da Universidade Estadual de Campinas.

Coisas da burocracia estatal paulista que esperou cinco anos para outorgar-lhe a titularidade, justamente a um educador que, além de estar dando sistematicamente suas aulas semanais na Faculdade de Educação da própria Universidade, nos cursos de graduação e nos de pós-graduação, era famoso em todo o mundo há muito mais do que cinco anos, como sabemos e o parecer evidencia.

Paulo Freire vem permanecendo na categoria de professor aposentado da Universidade Federal de Pernambuco desde 1964, cargo que, diante das condições que lhe foram impostas, representa para ele um momento maior do que a saudade dos tempos da comunicação do saber construído, do saber criando-se e da amorosidade na relação com seus alunos.

Ele o tem como uma de suas maiores honras.


Fernando Antônio Gonçalves é pesquisador social