1426 – PARA UMA MAIOR COMPREENSÃO CONTEMPORÂNEA
Participo há alguns anos, como ouvinte-pitaqueiro soldado raso, de um grupo de estudos que estuda o pluralismo religioso, tudo se iniciando num papo fraternal, na Igreja da Casa Forte, com o saudoso Pe. Edwaldo Gomes, meu irmão camarada, hoje na Mansão do Pai.
Atualmente somos quase uma vintena, reunidos mensalmente por chamada de vídeo, para debates fraternais sobre dois temas: Como ainda ser crístico nos tempos atuais, sob um pluralismo transecumênico? E como contemporizar o cristianismos, favorecendo antevisões analíticas que reumanizem a face terrestre, sem discriminação de qualquer natureza.
Um dos primeiros livros estudados foi uma análise feita por Elaine Pagels sobre as relações existentes entre política e religião nos primeiros tempos do cristianismo. O livro: OS EVANGELHOS GNÓSTICOS, Elaine Pagels, RJ, Objetiva, 2006, 246 p. Estudo embasado em textos encontrados por um camponês árabe, em dezembro de 1945, numa descoberta arqueológica no Alto Egito.
Nas últimas três reuniões, o assunto foi um livro muito oportuno do teólogo suíço Hans Küng, falecido em 6 de abril passado, aos 93 anos. Um dos peritos mais cultos do Concílio Vaticano II, que teve sua licença para ensinar na Igreja Católica em 1979, por ter rejeitado a infalibilidade papal.
O livro debatido: POR QUE AINDA SER CRISTÃO HOJE?, Hans Küng, Campinas SP, Verus, 2004, 105 p. Os debates ocorreram em três momentos temáticos, correspondentes às partes do livro: I – Orientações básicas para ser cristão; II – Aplicações concretas; III – Novas reflexões.
O autor (1928-2021) desencadeou durante décadas frutíferos debates tempestuosos, apresentando questionamentos radicalmente relevantes, contemporaneamente indispensáveis, como contracepção, celibato sacerdotal e infalibilidade papal, sempre com clareza ímpar, característica marcante da atualidade dos seus argumentos teológicos.
Alguns questionamentos do livro foram aventados nas reuniões: Quem é realmente Deus? Qual a diferença entre um cristão “de fachada” e um cristão efetivo? Como e onde buscar uma orientação básica para viver nos dias de hoje? Quais as dúvidas mais comuns nos jovens de hoje e como conciliá-las com o viver cristão? E como deixar o espírito do ecumenismo florescer, sem obstaculizar caminhadas sem fundamentalismos obsoletos e outras cretinicidades inquisitoriais?
Para ciência dos que estão lendo este texto, peço licença para transcrever, abaixo, alguns pensares do autor que proporcionaram as maiores atenções, favorecendo reflexões e ampliando as enxergâncias de todos:
“Não sou pessimista, mas a certeza de que nos encontramos em uma crise de orientação tão ampla quanto profunda – em face das múltiplas queixas de tantas pessoas – é fato que dispensa praticamente toda e qualquer demonstração e documentação.”
– “Não pode existir uma sociedade civilizada e não pode existir um Estado, se não houver uma ordem de direito! E não pode existir uma ordem de direito, se não houver uma consciência ou ética moral.”
– “Um ministério petrino, do ponto de vista do Novo Testamento, por mais que seja ‘pedra’, não pode tornar-se o critério por excelência para sabermos onde se encontra a Igreja de Cristo.”
– “Com Paulo VI, Roma mostrou-se aberta para fora, para todas as questões sociais em que a Igreja não está ela própria envolvida, mas fechada para dentro, em todas as questões da renovação da Igreja, da liberdade cristã, da criatividade espiritual.”
– “Para os marxistas, Marx é professor e mestre; Freud, professor e mestre para os freudianos; para a vida dos cristãos, certamente Jesus de Nazaré também é professor e mestre. Mas ao mesmo tempo, ele é mais do que isso… Ele nos chama ao seguimento pessoal não na imitação, mas na correlação, na correspondência.”
– “Com Jesus, estruturamos novas disposições em seu Espírito, podendo desenvolver e manter novas visões consistentes, novas intenções e novas tendências.”
Decididamente, a Igreja do Homão não deve ser um “Clube do Bolinha”, tampouco de apenas arianos. Que se leia a contribuição feminina nas cartas paulinas. (Rm 16,6). Que cristãmente nos ensinou a sermos seguidores efetivos do Senhor, não apenas ovelhas sem pensação. Como muitos ó-velhas e ó-velhos.
PS. No próximo encontro será debatido o livro Se eu pudesse viver minha vida novamente, de Rubem Alves.
Fernando Antônio Gonçalves é pesquisador social