1423 – UMA JUDIA PRA LÁ DE NOTÁVEL
Dentre as analistas sociais contemporâneas, tenho uma profunda admiração por Hannah Arendt, uma filósofa política nascida Johanna Arendt a 14 de outubro de 1906 e eternizada a 4 de dezembro de 1975. De origem judaica, ela foi uma das mais influentes pensadoras do século passado, O regime nazista retirou-lhe a nacionalidade em 1937, o que a tornou apátrida até conseguir a nacionalidade norte-americana em 1951. Trabalhou também como jornalista e professora universitária, publicando diversas obras importantes sobre filosofia política, sempre rejeitando ser classificada como “filósofa“, sempre se distanciando da expressão “filosofia política“, preferindo que suas publicações fossem classificadas como “teoria política“.
Arendt defendia o conceito “pluralismo” no âmbito político. Graças ao pluralismo, o potencial de uma liberdade e igualdade política seria gerado entre as pessoas. Na elaboração de acordos políticos, convênios e leis, todos deveriam bem trabalhar em níveis práticos, todos capacitados e dispostos.
Como fontes de suas investigações Arendt usava, para além de documentos filosóficos, políticos e históricos, biografias e obras literárias. Esses textos eram interpretados de forma literal e confrontados com seus próprios pensamentos. Seu sistema de análise – parcialmente influenciado por Heidegger – a converteu em uma pensadora original situada entre diferentes campos de conhecimento e especialidades universitárias.
Aos quatorze anos, já havia lido a Crítica da razão pura de Kant e a Psicologia das concepções do mundo de Jaspers. Aos 17 anos foi obrigada a abandonar a escola por problemas disciplinares, indo então, sozinha, paraBerlim, onde, sem haver concluído sua formação, teve aulas de teologia cristã e estudou pela primeira vez a obra de Søren Kierkegaard. De volta a Königsberg em 1924, foi aprovada no exame de maturidade (Abitur).[5]
Já em 1933, Arendt defendia a postura de que se devia lutar ativamente contra o nacional-socialismo. Essa posição foi contrária à de muitos intelectuais alemães, inclusive alguns de origem judaica, que pretendiam se aproximar do nacional-socialismo, subestimando a ditadura, elogiando inclusive os novos donos do poder.
Em 1933 (ano da tomada do poder de Hitler) Arendt, por ser judia, foi proibida de defender uma segunda tese (sobre Rahel Varnahagen), que lhe daria o acesso à docência nas universidades alemãs. O seu crescente envolvimento com o sionismo levá-la-ia a colidir com o antissemitismo do Terceiro Reich – o que a conduziria, seguramente, à prisão. Deixou a Alemanha, passando por Praga e Genebra antes de chegar a Paris, onde trabalhou nos seis anos seguintes com crianças judias expatriadas e tornou-se amiga do crítico literário e filósofo
marxista
Walter Benjamin.
Trabalhou nos Estados Unidos em diversas editoras e organizações judaicas, tendo escrito para o Weekly Aufba.
Depois da guerra, Arendt ainda regressaria à Alemanha e reencontraria o seu antigo mentor Martin Heidegger, que estava afastado do ensino, dadas as suas simpatias pelo nazismo. Envolver-se-ia, pessoalmente, na reabilitação do filósofo alemão, o que lhe valeria severas críticas das associações judaicas americanas.
Suas frases até hoje repercutem no mundo literário. Algumas delas:
“A escola não é de modo algum o mundo, nem deve ser tomada como tal; é antes a instituição que se interpõe entre o mundo e o domínio privado do lar.”
“Em nome de interesses pessoais, muitos abdicam do pensamento crítico, engolem abusos e sorriem para quem desprezam. Abdicar de pensar também é crime.”
“Uma existência vivida inteiramente em público, na presença de outros, torna-se, como diríamos, superficial.”
“Toda dor pode ser suportada se sobre ela puder ser contada uma história.”
Uma das suas expressões mais famosas tornou-se um livro editado recentemente em Língua Portuguesa: Pensar sem corrimão: compreender 1953-1975, Hannah Arendt, Rio de Janeiro, Bazar do Tempo, 2021, 640 p. Uma coletânea organizada por Jerome Kohn e publicada em 2018 pela vez primeira.
Páginas de atualidade surpreendente, devendo ser lidas, meditadas e rabiscadas por todos aqueles iniciados em Humanidades e que procuram, como Arendt, continuar a pensar sem muletas de espécie alguma. Ampliando suas enxergâncias analíticas, sempre de antenas voltadas para os dignos amanhãs planetários, atualmente sob uma pandemia moral gigantesca, que está a exigir competência, coragem e criatividade solidárias, para a sobrevivência de todos nós.