1422 – PERNAMBUQUÊS


Ler os “causos” do João Silvino da Conceição, um gota serena muito arretado que certa feita conheci no bairro do Recife, onde então quase tudo se resumia num entra-e-sai noturno muito mal remunerado, me deixa bem melhor com a vida, quase liberto das tricas e futricas do cotidiano medíocre dos pronunciamentos do capita sem qualquer criatividade a grande maioria, muitos apenas ridículos. 

Os rascunhos memoriais do Silvino estão quilômetros distanciados dos “estilos oficiais” recheados de outrossim, não obstantee ademais, entre outras mil bosteiras, de odores já inclusos até na própria grafia. O texto abaixo, deitado numa folha de papel pautado das grossas, bem que poderá servir para testar o nível pernambuquês dos queridos leitores. Ei-lo:

 “De jeito maneira aquele cara me deixaria afolozado. Mesmo sendo meio zarolho, já botei gaia em muito marido de tribufu, pouco me lixando para os cus-de-boi que ficavam na pendência. Não me aperreava com nadica de nada, nem me arreganhava diante dos metidos a cavalo do cão, os acochados da paróquia. Mas um dia, de tanto subir em pé de coentro sem curvar seu caule,  levei uma chapuletada de um galego, ficando sem ir chamegar na zona por um bocado de semanas. 

O seguinte foi esse: num arrasta-pé de final de semana, deparei-me com a Zelma, uma zambeta toda amostrada, que deixava todo mundo aperreado com umas amostrações de peito que arrochavam que só os peguentos fechecléres dos beneficiados. Avexado, imaginando que o sujeito cangaia ao seu lado só tinha leseira, resolvi botar uma graxinha a mais no peritônio dela, elogiando seus teréns e imaginando-me o supra sumo do cu do pato. De repente, mal reparando que o macho da Zelma estava com a bubônica, dei com a cara numa moringa estacionada num canto do salão, vitimado por um tapa daqueles que estralam fazendo eco. O cabra-de-peia, sem carecer de mas ou meio-mas, me deixou liso de coragem, numa pindaíba moral de fazer pena, estatalado que só um aruá. 

Sentindo a catinga exteriorizar-se dos meus interiores vestimentais, e ainda todo ralado, arribei-me do local, arrodeado de muita vaia, indo me arrumar nos cafundós de Judas, no oitão da casa da Romilda, uma peitica pixaim que apreciava um sai-e-entra com muita zoada. E que ainda me perguntou se eu tinha visto a sua cunhada Zelma, que saíra com seu irmão campeão de karatê.

Percebi-me num mato sem cachorro, borrado todo, por completo na jante, um peba tamborete de zona. E sem um tostão furado, prometi nunca mais bulir com gente, por mais ouriçada que estiver a macaxeira. Torar aço, nunca mais”.      

O florentino Nicolau Maquiavel, autor de O Príncipe, permanente fonte de consulta para os politizados de todos os calibres, dividiu os cérebros dos humanos em três categorias: a dos que pensam por si mesmo, a dos que discernem a partir do entendimento dos outros e a dos que não entendem nem a partir de si nem a partir dos outros. Na última categoria, situados estão os que perderam suas individualidades através de uma prática egocêntrica mórbida, os fins valendo todos os meios, o “ainda não” sempre substituindo o “por fim”. Mas na primeira, certamente, se classificaria o meu dileto amigo João Silvino da Conceição, um QI nunca azoretado, que já comeu muita brocha, cabrochas e jerimuns, jamais marreteiro, refinado especialista em chamego buliçoso, filho querido de um pai que muito amou.

  1. Para todos aqueles que aprendem a ficar com Pernambuco no coração.

Fernando Antônio Gonçalves é pesquisador social