1421 – CARMELÚCIA PIRAGIBE


A historinha abaixo foi calcada num trechos do livro Comédia Corporativa, de Max Gehringer, por mim várias vezes lido. Uma das melhores leituras desfrescurizadas da área da Administração, hoje repleta de gurus, curadores, doutores, poucos sábios e muitos sabidos. Uma leitura que recomendo com entusiasmo, mesmo para aqueles que já se encontram contaminados pelo “virus da fingida competência”, sempre se reportando aos escritos recheados de insuportáveis ademais, outrossim, sem embargo e outras lambanças.

O quentão da Carmelúcia Piragige, especializada em Estudos Reativos ao Assédio Sexual, era um programa de coibição de “cantadas” em ambientes profissionais. Depois de dez anos queimando pestanas e os enormes pelos axilares, ela se encontrava preparada para cortar pela raiz a toda mentalidade machista, embora seu desejo maior, nunca realizado, fosse  ser contemplada com uma mão amiga passeando pelo seu torrão corporal, nunca desbravado, nem por entradas nem por bandeiras, sem um dedo de prosa sequer.

Vadão, batizado de Oswaldo, auxiliar de serviços gerais, quando recebeu o aviso da entrevista percebeu que teria finalmente sua promoção, desejo de quase três anos de firma. Mal sabia ele que a “conversinha” tinha sido provocada pela Merícia, fuxiqueira dezoito quilates, que contara ter ouvido o Vadão dizer que “a Dona Carmelúcia precisava botar a boca no trombone”. E que outro dia, todo sorridente e safadoso, também indagava se ela tinha visto o “pincel atômico” dele.      

No gabinete de Carmelúcia, Vadão olhava para todos os lados, sentado diante da “doutora”.

– Seu Oswaldo, o senhor está com algum problema na empresa?

– Dona Carmelúcia, eu sempre estive interessado em me ver numas posições diferentes…

O ar de espanto explicitou-se de imediato na Piragibe. “O safadão está lendo Kama Sutra!!”, deduziu racionalmente com base em seu saber adquirido. Voltou a inquirir: 

– O que o senhor quer dizer com isso, seu Oswaldo?

– A senhora sabe, eu não gosto de ficar por baixo …

Carmelúcia nunca imaginara encontrar uma alma tão sebosa, logo na sua primeira semana de trabalho. Meio arrepiada, meio excitada, indagou se ele já tinha obtido algum êxito nas suas investidas.

– Aí é que tá o xis da questão, senhora doutora. Na hora agá, sempre mela…

A dedução da Carmelúcia foi quase lógica: “a cueca!!! E mantendo o decoro profissional continuou sempre meia perturbada:

– Em nossa empresa, seu Oswaldo, não podemos tolerar atitudes incompatíveis com os nossos princípios. O senhor está me entendendo?

– Entendo, senhora. Mas, no fim, quem sempre acaba na mão sou eu …

Era demais para a doutora! Ela reagiu de pronto:

– Temos que tomar, de imediato, uma decisão, seu Oswaldo!

– Claro, doutora!! Eu venho falando isso há bastante tempo. Mas aqui na empresa é sempre assim: um fica querendo montar no outro e a minha vez não chega nunca. Tudo aqui é na base do pistolão. Mas agora vai ser diferente, pois sei que a senhora gosta de botar a mão na massa.

– Pera aí, seu Oswaldo … Não exagere!!, retrucou Piragibe, já não mais sustentando um ar de “tou quase querendo”.  

Desejando causar a derradeira impressão, Vadão arrematou, repetindo o que aprendera numa reciclagem de relações humanas: 

– A senhora não vai se arrepender, doutora. Não vejo a hora de poder lhe mostrar o tamanho da minha … consideração!

Antes da palavra consideração, o desmaio integral da Carmelúcia. Por excesso ou escassez, tal e qual o regulador Xavier.


Fernando Antônio Gonçalves é pesquisador social