1411 – SABER, FÉ E HUMOR


Já duplamente vacinado e ainda de máscara, revisitei o João Silvino da Conceição, amigão de muitas caminhadas, nordestino arretado de sabido, paupérrimo de letras e milionário em criatividade neuronial, de deixar PhD de tese que ninguém leu sem glossário e de cueca. Num casebre devidamente preservado das chuvaradas últimas, acompanhado de filha separada e de dois pirralhos metidos a netos, o Silvino parece duplicar, a cada ano, seu saber, sua fé e seu admirável senso de humor, como que a consolidar seu maior título, o de ser companheiro amado da Conceição.

Como sempre, encareço ao amigo seus apontamentos últimos, sapiências explicitadas em garranchos escritos em cadernos populares, dezesseis folhas. Todos datados e devidamente sincronizados com os acontecimentos da época.

Interesso-me por dois assuntos: Jesus Cristo e a esquerda, assuntos diferentes, de cenários distintos, sem quase nada a ver um com o outro. E o meu espanto se inicia com a tranquilidade do Silvino. Pede para começar pela figura do Filho do Homem, segundo ele o maior líder da humanidade de todos os tempos. Para Conceição, o Nazareno deixou uns “recados” para os seus seguidores. Tomei nota de alguns: 1. Não critique por criticar, colabore, atravessando o rio em que você está; 2. Nunca se omita, sempre participe, renegando os macaquinhos chineses, entendendo o alcance da parábola dos talentos; 3. Nunca prenda seu navio numa âncora, pois quem perde a sua coragem perde tudo; 4. Sinta-se vivo, jamais azedo, possuindo uma serenidade comportamental que nulifica toda e qualquer tentativa dos fuxicosos; 5. Resolva os problemas da sua crença, sem dela se arredar, para num engrossar o cordão dos cavilosos; 6. Haja sempre como irmão, nunca como fiscal, supervisor, auditor ou inquisidor, como se fosse o único dono da verdade.

Complementando os “ensinamentos”, algumas anotações bíblicas, impressionantemente correlacionadas com todos os recados: “Quando eu era criança, agia como criança, racionava como criança. Agora que sou adulto, ajo como adulto e raciono como adulto”; “Aconteça-me segundo a tua vontade”; “Esqueço-me do que fica para trás e avanço para o que está na frente”; “Examinem tudo e fiquem com o que é bom”.

No tocante às esquerdas, o Conceição tem um respeito incomum pelos que se dedicam anos a fio pelas causas populares. Mas nutre uma aversão fulminante aos “esquerdopatas”, aqueles sectários que denigrem sem construir, mentem descaradamente mesmo contra suas próprias convicções, possuem uma prática populista idêntica aos demais, são autoritários e não desejam uma nova ordem, pois lutam pela manutenção da desordem generalizada, ninguém sendo ninguém no frigir dos ovos, caldo ótimo para suas sobrevivências. Num canto de uma página, encontrei uma afirmação de Guerreiros Ramos: “No Brasil de hoje há poucos homens de esquerda, porém muitos esquerdeiros. Estes vivem da gesticulação revolucionária e de ficções verbais”.

O Silvino tinha entendido tudo, tornando-se ainda mais cidadão. E num radinho de pilha, sempre ao alcance do braço, a voz do Lulu Santos parecia surgir num instante combinado: “Nada do que foi será, de novo do jeito que já foi um dia”…..

Confesso que me entalei todinho, imaginando como o Carolino ficaria gratificado se tivesse conhecido o João Silvino. Fui para casa, agradecendo a Deus por João Silvino da Conceição existir, sem lenço nem documento, mas com uma vontade arretada de ótimo de ver um Brasil vacinado e sem motociatas psicopatas.