1405 – QUEM PLANTA COLHE


Acabo de ler o escrito notável A Pandemia e o Pandemônio: ensaio sobre a crise da democracia brasileira, André Duarte, Rio de Janeiro, Via Verita, 2020, 173 p. O autor é professor da Universidade Federal do Paraná, integrando o Programa de Pós-Graduação em Filosofia e em Educação daquela universidade. No seu ensaio amplamente didático, ele faz uma análise do atual desgoverno federal brasileiro, onde mesclam crise política, crise econômica, crise sanitária, incultura planaltina, crise ética, crise moral, trapalhadas ministeriais, além de um baita abandono da população mais fragilizada, além de inúmeras agressões ao meio ambiente e pronunciamentos que ofendem o mundo civilizado século XXI.

Ao término do livro, nunca desesperançado pelos acontecimentos últimos, sempre consciente do conselho de Ricardo Paglia – “Sempre construir arrimos para enfrentar os temporais, as desolações e as decepções” -, recordei uma pequena historieta real. E a reproduzi abaixo, para os que me leem:

Chamado de Fleming, era um pobre fazendeiro escocês, de recursos financeiros espremidos, a feira semanal resultando de um esforço danado para  ajuntar uns trocados. Um dia, quando trabalhava para ganhar a vida e o sustento dos seus, o estropiado escocês escutou um desesperado pedido de socorro, vindo de um pântano situado nas proximidades dos seus hectares.

Largando de imediato suas ferramentas de lavorar, Fleming correu até o local do pedido de SOS. Lá chegando, testemunhou um menino atolado até a cintura, envolvido por uma lama negra movediça, muito atemorizado, tentando se safar da morte que o estava rondando. Por meio de uma corda, Fleming livrou o garoto de terrível final vida.

No dia seguinte, uma carruagem de luxo, puxada por seis portentosos  cavalos árabes, chega à precária habitação do fazendeiro. Aberta a porta pelo cocheiro, eis que um fidalgo elegantemente vestido desce, se apresentando como o pai do garoto resgatado.

– Eu quero recompensá-lo pela sua bravura solidária, disse o nobre. Você salvou a vida do meu filho mais velho, o herdeiro maior dos meus bens.

– Não, eu não posso aceitar qualquer pagamento pelo que fiz, respondeu o mais que nobilíssimo fazendeiro, recusando a oferta.

Naquele momento, um dos filhos mais novos do fazendeiro chegou à porta do casebre, chamando a atenção do nobre visitante.

– É seu filho?, perguntou o fidalgo.

O “sim” do fazendeiro foi pronunciado alto e bom som, orgulhosamente, com a certeza de ter sido contemplado com a mega-sena do Criador.

– Permita-me, então, meu amigo, que eu lhe faça uma proposta concreta. Deixe-me levar seu garoto para lhe oferecer uma educação de boa qualidade. Se o jovem possuir o seu caráter, ele se tornará um profissional de muito bom conceito, tornando-se um homem admirado, do qual você terá muito orgulho.

Consentimento dado, tempos depois eis que o filho do fazendeiro Fleming laureou-se no St. Mary’s Hospital Medical School de Londres, tornando-se mais tarde conhecido no mundo como Sir Alexander Fleming, o descobridor da penicilina, a salvação de milhões de pessoas.

Anos depois, eis que outro filho do nobre adoece gravemente, vitimado por uma  braba pneumonia. O quadro clínico, bastante sombrio, prenunciava um desagradável desenlace. Felizmente, para alegria imorredoura do ricaço, uma terapia à base de penicilina livrou o jovem da moléstia. A penicilina descoberta  pelo cientista Alexander Fleming, o filho do fazendeiro escocês pobre.

O nome do nobre? Sir Randolph Churchill. O nome do filho dele? Sir Winston Churchill, um dos maiores fenômenos políticos de todos os tempos.

Alguém declarou, certa feita, que a gente colhe o que a gente planta. Quem planta mesquinheza, colhe mesquinheza. E os que semeiam grandeza, colhem generosidades múltiplas.

Tenho uma forte admiração pelos que sabem como sobrepujar os narcisismos selvagens dos incapazes. E os que possuem criatividade mínima, posto que portadores de uma ímpar invulgaridade. E que desconhecem que é a jornada, jamais a chegada, que importa, devendo-se nela embarcar todos aqueles que, sabendo fazer a hora, nunca esperado acontecer.

O propósito da vida é sobreviver para conquistar, evitar tensões desnecessárias, saber perder para ganhar posteriormente, sacudindo a poeira e dando a volta por cima, para desesperança daqueles que, de alma pequena, jamais chegarão à Pasárgada do pernambucaníssimo Manuel Bandeira. Por incultura, insanidade mental, genocídio e outras patifarias pensantes.


Fernando Antônio Gonçalves é pesquisador social