1398 – UM NEGRO NORDESTINO ARRETADO DE BRILHANTE


Ontem à noite, instigada minha curiosidade por amigo paulista, tomei conhecimento, via Google, da existência, no Itamaraty, de um Ernesto diferente, culto, negro, nordestino, paraibano, aplaudido  internacionalmente, conferencista de nomeada, pós-doutorado, o primeiro brasileiro a ser aceito como pesquisador visitante no Programa de Ciência e Segurança Global da Escola de Relações Internacionais da Universidade de Princeton, há mais de meio século desenvolvendo pesquisas na área de desarmamento e não proliferação nuclear.

De nome Ernesto Batista Mané Júnior, 37 anos, ao longo da vida foi garçom, professor de inglês, programador e pesquisador. Atualmente, concilia duas diferentes carreiras de destaque, nas quais encontrou uma intersecção que alia todas as suas habilidades. Diplomata pelo Itamaraty e cientista nuclear, o físico pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB) foi reconhecido como uma das 100 pessoas negras mais influentes do mundo na área de política e governança na lista Most Influential People of Africa Descent (Mipad).

Esse Ernesto culto é doutor em física nuclear pela Universidade de Manchester (Inglaterra), onde fez intercâmbio de graduação; pesquisador no Cern, o maior laboratório de física de partículas do mundo, em Genebra, na Suíça; e fez dois pós-doutorados: pelo Laboratório de Física Nuclear e de Partículas do Canadá e pela Universidade Princeton, nos Estados Unidos.

A vivência desse notável Ernesto no exterior foi um dos fatores que o atraíram para a carreira diplomática. Por meio do programa de ações afirmativas do Itamaraty (que, com uma bolsa, apoia pessoas negras a estudar para o concurso), preparou-se para o certame por dois anos até aprovação. O pai dele, africano, de quem herdou o nome Mané, morreu em 2014 e foi cremado no mesmo dia que Ernesto tomou posse como diplomata.

Declaração dele: “Ao entrar no Ministério das Relações Exteriores, eu me mostrei aberto para trabalhar com todos os temas da política brasileira e foi uma feliz coincidência me envolver com áreas ligadas a desarmamento e não proliferação de armas de destruição em massa”.

Esse Ernesto culto do Itamaraty fala inglês, espanhol, francês e alemão. Como diplomata, não foi removido para fora do Brasil, mas fez viagens a serviço. Um ponto alto foi viajar com a Organização das Nações Unidas (ONU) por três meses, passando por países da Europa e da Ásia, além de Nova York, nos EUA. Ele foi o sétimo diplomata brasileiro nomeado para participar do programa, existente desde a década de 1970.

No seu segundo pós-doutorado, em Princeton, Ernesto ficou um ano, com licença de estudo do Itamaraty, e aprofundou os conhecimentos sobre desarmamento, capacitando-se para trabalhar como diplomacia nuclear. “Era um programa de pós-graduação em políticas públicas desenhado por físicos”, declarou. E mais disse: “Eu não conseguiria fazer essa pesquisa se fosse só físico ou se fosse só diplomata. Diplomatas físicos existem, mas, sem falsa modéstia, não existem outros diplomatas com esse background de pós-doutorado em física nuclear produzindo nessa área além deste que vos fala”.

Filho de uma contadora e servidora pública brasileira e de um economista e professor de Guiné-Bissau de quem herdou o nome, Ernesto passou os primeiros anos da vida morando em São Paulo. Declara: “Minha mãe já tinha dois filhos, conheceu meu pai, com quem teve mais dois: eu e minha irmã. Nós quatro crescemos juntos e constituímos o núcleo familiar da minha infância”.

Durante o doutorado no Reino Unido, ele precisava fazer constantes viagens ao Cern, na fronteira entre a França e a Suíça. Relata: “Os oficiais de imigração ficavam desconfiados sobre o porquê de eu ficar entrando e saindo do Reino Unido. Não acreditavam na minha história de ser um físico pesquisador”.

Em Vancouver, no Canadá, ao retornar de viagem para a Guiné-Bissau, também foi abordado de um modo diferente. O racismo permeava outros contextos. Declara: “É impossível dizer que a cor da minha pele não influenciava a maneira como eu me relacionava com as pessoas”. E acrescentou: “Eu vivi e vivo num misto entre a meritocracia e o racismo. Sou reconhecido por várias pessoas, mas isso não significa que as pessoas com que me relacionei não tinham um viés negativo por causa da cor da minha pele.”

Esse Ernesto do Itamaraty é muito diferente do outro, que também lá trabalha, é branco e dá vexames diplomáticos vez em quando. Desse Ernesto de sobrenome Mané, o Brasil se orgulha. Do outro, um mané bem retratado em nossos dicionários de Língua Portuguesa, o Brasil aguarda sua demissão numa breve reforma ministerial.


Fernando Antônio Gonçalves é pesquisador social