1395 – RECORDANDO MINHA AVÓ ZEFINHA


Toda vez que vejo uma foto do capita Messias rindo escancaradamente para os fotógrafos, relembro uma frase que a minha avó Zefinha, madrinha também, mal alfabetizada e nascida no interior de Pernambuco: “Muito riso é sinal de pouco sizo”. E fico a imaginar o quase nada nulo sizo do capita diante das imensas responsabilidades pós-pandemia, quando o mundo inteiro se preparará para uma reestruturação planetária com efetivo planejamento, muita competência técnica e intensa solidariedade social. Tudo bem embasado numa teoria política kantista alicerçada num livro que bem exprime o ideário ético do filósofo prussiano Immanuel Kanto (1724-1804), considerado mundialmente o principal filósofo da era moderna, o que operou epistemologicamente uma síntese entre o racionalismo europeu e a tradição empírica inglesa. O livro:
A paz perpétua e outros opúsculos, Immanuel Kant, Lisboa PT, Edições 70, 2016, 194 p.
Logo nas primeiras páginas, uma explicação sobre Iluminismo: “A saída do homem da sua menoridade de que ele próprio é culpado. A menoridade é a incapacidade de se servir do entendimento sem orientação de outrem. Tal menoridade é por culpa própria se a sua causa não reside na falta de entendimento, mas na falta de decisão e de coragem em se servir de si mesmo sem a orientação de outrem. Sapere aude! Tem a coragem de te servires do teu próprio entendimento! Eis a palavra de ordem do Iluminismo.”
E Kant aponta a preguiça e a covardia para que os homens continuem de boa vontade menores durante toda a vida, posto que é muito cômodo ser menor. Subserviente. Babaovista. Cumpridor apenas de ordens espúrias. Maria-vai-com-as-outras. Mesmo dotado de farda de general, travestido de sanitarista.
Reli, às vésperas do ano novo, o pensador Allan Bloom, um dos mais controvertidos ensaístas norte-americanos, autor do muito polêmico O declínio da Cultura Ocidental, um best-seller que vendeu, até hoje, mais de dois milhões de exemplares. Seus ensaios sobre professores, livros e educação, escritos entre 1960 e 1990, ele os concentrou num instigante volume oportunamente intitulado Gigantes e Anões.
Segundo Bloom, “a essência da educação é a experiência da grandeza”. Ele ressalta a perfeição da fórmula de Pascal – “sabemos muito pouco para sermos dogmático e muito para sermos cético” – defendendo a vida teórica dos assaltos próprios de um tempo que despreza a filosofia, que asfixia a estratégia em detrimento de táticas imediatistas, eleitoreiras, nunca políticas, todas oportunistas, algumas até desabridas e contra saúde pública.
Em determinados momentos, o Bloom parece “estar enxergando” o atual quadro universitário brasileiro: “A filosofia, a inimiga das ilusões e das falsas esperanças, nunca é realmente popular, sendo sempre suspeita aos olhos dos que apoiam qualquer dos extremos que estejam no poder”. E a saída por ele apontada deveria ser merecedora de respeitosa atenção: a descoberta das nossas próprias ideias.
Do livro se depreende lúcidas lições sobre a atual ambiência nacional, às vésperas de acontecimentos vitais, onde uma outra República, irá emergir após um inclemente terror pandêmico. Algumas das lições de Bloom bem que poderiam transformar-se nos Dez Mandamentos da construção de um desenvolvimento econômico irmão siamês de um igualmente dinâmico desenvolvimento social igualitário. Vejamos:
1. Participamos de um único cosmo, cada alma sendo reflexo desse mesmo cosmo, nele também refletindo esperanças, conquistas e humilhações;
2. Os acidentes da vida obrigam os homens a adotar costumes que os levam a esquecer a parte total e imortal deles próprios;
3. Quem diz “eu prometo”, sem ter base para cumprir a promessa, é um mentiroso;
4. Se aprendemos o que significa viver com livros, somos forçados a torná-los parte de nossa experiência e de nossa vida;
5. Política significa o governo do homem e isso só pode ser feito em posições de poder legítimo;
6. Se a democracia não pode tolerar a presença dos mais altos padrões de aprendizagem, então a própria democracia se torna questionável;
7. Cultura não deve ser usada para superar as preocupações instintivas com o país, colocando em seu lugar uma lealdade falsa e alimentando uma perigosa falta de sensibilidade para a política real;
8. Quem só possuir visão “econômica” não poderá, de forma consistente, acreditar na dignidade do homem ou no status especial da arte e da ciência;
9. Quando a suave luz dos grandes livros estiver para sempre obscurecida pelas chamas ardentes da interpretação fantasiosa, nossa janela para o mundo estará irremediavelmente fechada;
10. Todos os talentos não passam de recursos para a felicidade maior de todos.
Fazer urgente reconhecimento dos gigantes de fanfarria e dos anões neuroniais é dever cidadão, tática inadiável para uma estratégia de sobrevivência nacional. Desenvolver uma cultura da cidadania urge depressa. Para erradicar os mentalmente ananzados e os fanfas grandalhões, os que apenas fingem ser, sem lastro cívico nem o mínimo senso crítico, megalossauros historicamente ultrapassados, somente aplaudidos em plateias de abestalhados cívicos.
Alexis de Tocqueville já dizia que a noção de cidadania requer um mínimo de igualdade social. Sejamos leões, solidários e associativos por excelência. Criativos, jamais miméticos. Brasileiros acima de tudo, sem níveis civilizatórios vexatórios.


Fernando Antônio Gonçalves é pesquisador social