1393 – DENÚNCIAS HISTÓRICAS DE ANALISTA NOTÁVEL


Diante das escabrosidades estratégicas cometidas no combate ao COVID-19, que está vitimando milhões e fragilizando imensamente a economia e a sociedade mundiais, torna-se indispensável uma leitura do livro de um dos mais talentosos historiadores contemporâneos:
Notas sobre a pandemia: e breves lições para o mundo pós-corona vírus, Yuval Noah Harari, São Paulo, Companhia das Letras, 2020, 97 p.
Uma coletânea de artigos e entrevistas, na contracapa ressaltada uma oportuna advertência:
“O maior risco que enfrentamos não é o vírus, mas os demônios interiores da humanidade … Mas não há necessidade de reagir propagando ódio, ganância e ignorância. Podemos reagir gerando compaixões, generosidade e sabedoria. Podemos optar por acreditar na ciência, e não em teorias conspiratórias, Podemos optar por cooperar com os outros em vez de culpá-los pela epidemia. Podemos optar por compartilhar o que temos em vez de apenas acumular mais para nós mesmos.”
Um baita chute nos bagos ultrapassados de mandatários negativistas, de negocistas cretinos, de ministrinhos que não entendem bulhufas de saúde pública, de opinantes fantasiados de infectologistas, além de mutreteiros televisivos que apenas buscam desacreditar instituições, propagar iniciativas capitalistas e auferir lucros extorsivos com uma tragédia que deveria merecer a mais ampla solidariedade mundial.
Lamentavelmente, eis a principal constatação do autor: faltam líderes mundiais no combate à pandemia. Até recentemente, um amalucado presidente norte-americano imaginava construir muros, provocando um isolacionismo idiótico. Na verdade, diante da crise mundial pandêmica, o verdadeiro antídoto é a cooperação, jamais meras bazófias contra uma irreversível globalização. Prova disso é que, muitos antes da globalização, na Europa do século XIV, a peste negra matou entre 75 e 200 milhões de pessoas. Em 1918, uma cepa de gripe, denominada espanhola, infectou meio bilhão de pessoas nos quatro cantos do mundo. Atualmente, um vírus pode se deslocar de Paris a Tóquio em menos de 24 horas. No presente século, segundo Harari, “as epidemias matam uma proporção muito menor de pessoas do que em qualquer outra época desde a Idade da Pedra.”
Além da pandemia, a humanidade enfrenta outro gigantesco problema: a falta de confiança entre os seres humanos. Para enfrentar uma pandemia, as pessoas precisam acreditar nos especialistas, confiar nos poderes públicos, pressionar por uma educação básica e profissionalizante embasada num humanismo solidário e efetivo, indutor por excelência, defenestrando os negativismos idióticos e as bostalidades dos incultos e sempre simiescos nunca em evolução.
Na área educacional brasileira, nosso país estará tartarugando mais após execrada a COVID-19. Até pouco tempo, enquanto 2/3 da nossa mão-de-obra possuía menos de quatro anos de escola, os EEUU tem mais de 12 anos, o Japão 11 anos e os Tigres Asiáticos acima de 10 anos. Até os empresários já perceberam que só adestramento não é mais suficiente, posto que já compreenderam que o pior analfabeto de hoje é o funcional, aquele que sabe ler mas não consegue entender o que está escrito nos roteiros de uso dos equipamentos.
Tenho ido dormir de cabeça quente, ultimamente, atordoado e meio com algumas bobajadas cometidas em vários setores públicos brasileiros. Descubro, de repente, que alguns “notáveis” imaginam que Brasil é apenas São Paulo, que o funcionalismo público é o responsável único pelos descalabros que vitimam nossa economia e que somente através de uma muito despudorada privatização geral, sem critérios convincentes, se alcançará patamares de primeiro mundo. E ainda aparecem alguns outros abilolantes tentando ferrar no Histórico Escolar dos graduados uma nota avaliatória, como se gado fossem, que se ferra, engorda e mata, recordando, aqui, o Vandré dos festivais. Ao invés de terem a coragem de eliminar os males pelas suas causas primeiras, a ganância dos lucros. A técnica de fazer barulho sorrindo bem muito, já surrada demais, ninguém suporta mais, tão cansativas quanto os recentes passeios de motoca pelo Planalto Central.
Estejamos atentos aos descalabros provocados por um neoliberalismo que beneficia uma minoria sem qualquer princípio humanista, desejando apenas lucrar mais, o resto se danando todo. Um sistema que esquece Tiradentes, tirando-nos os dentes. E as calças. De resto, apenas restando a troça Seguraocu, do carnaval olindense, quando Rei Momo retornar do isolamento.
PS. O historiador Noah Harari abriu mão dos direitos autorais desta edição brasileira para a que editora doasse parte dos resultados das vendas para a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), que ajuda as vítimas da COVID-19. Belo gesto.


Fernando Antônio Gonçalves é pesquisador social