1391 – PARA O PÓS COVID-19


Há alguns anos, o escritor Umberto Eco, jornalista e professor de semiologia da Universidade de Bolonha, consagrado autor de O Nome da Rosa, também de O Pêndulo de Foucault, foi entrevistado pelo jornal francês Le Monde. Sem papas na língua, denunciou Eco uma estupidificante indiferença moral planetária diante dos extremismos políticos que estão proliferando nos quatro cantos do mundo. Inclusive no Brasil, pretensamente gerenciado por pebas mandatários, que se imaginam proprietários de um gabinete de ódio similar a um sediado nos Estados Unidos, trumpalhão todo, recentemente defenestrado pelas urnas.
As últimas duas décadas mundiais, aceleradamente evolucionárias, não devem provocar indiferença nos portadores de uma criticidade avessa a dogmatismos e ortodoxias definitivamente sepultados. Declarações esclerosadas costumam “cegar”, obstaculizando reflexões desapaixonadas, desestabilizando os mais jovens e os menos capazes. Ou embaralhando as mentes dos que, aturdidos diante da pandemia, postulam a validade de tudo, nada recusando, tudo permitindo, as regras morais mais salutares não mais servindo como balizamentos comportamentais dos posicionamentos políticos.
Defende Umberto Eco, com a responsabilidade de ser um intelectual de renome internacional, a missão de todo ser-pensante, às vésperas de um pós COVID-19:
BEM DELINEAR OS LIMITES ENTRE O TOLERÁVEL E O NÃO-TOLERÁVEL.
Lendo as advertências de Eco, percebe-se que não há “nenhuma verdadeira diferença entre os neonazistas que invadiram o Congresso Americano e os nazistas do III Reichr”. E ele prenuncia com muita sabedoria: “Continua sendo a mesma forma de imbecilidade e de atração pelo mal, o mesmo ódio pelos outros e o mesmo desejo de destruição”.
No atual mundo conturbado, onde uma ética comportamental é ridicularizada pelos que apregoam cinicamente ser campeões em tudo, o ensinamento desalienante deve merecer um esforço continuado, redobrado mesmo, para poder discernir entre o que se encontra ultrapassado, obsoleto, e o que é moderno, atualizado, contemporâneo, útil e indispensável. E, ainda, o que foi considerado errado no passado e o que continua erroneamente sendo feito nos dias de hoje, numa aldeia global de múltiplos e cada vez mais interdependências.
Acredito que todos nós, cidadãos que se preparam para ingressar num mundo pós pandêmico, sob as Graças do Pai, temos uma obrigação que sobrepaira acima das agruras do cotidiano: o direito de desconfiar das posturas sectárias dos messiânicos, sejam elas políticas ou religiosas O próprio Umberto Eco, em sua memorável entrevista, declara que “a Terra é redonda: não se pode ir à esquerda demais”. E explica: a força de perseguir a ideia mais extrema, a mais provocadora, a mais “inovadora”, acaba por dar a volta e se ver situada na extrema direita. E os exemplos são identificados à mancheia em nossa atualidade, inclusive advindos de mandatários mentalmente incultos.
Tenho uma profunda admiração pelos que possuem aquilo que Blaise Pascal, notável matemático, definia como esprit de finesse. E que é diretamente proporcional ao asco por mim sentido pelos que se imaginam muito acima das divindades, sentindo-se autênticos sócios de Deus, majoritários naturalmente.
A atual crise econômica brasileira não deve ser contemporizada, tampouco o país ser cretinamente classificado de quebrado. Apesar de dramática a crise, ela carrega uma grande virtude: fará refulgir mais intensamente a criatividade e os gestos dignificadores que ressoam para muito além dos limites impostos pelos mentalmente débeis.
Serão efetivamente novos os tempos que estão para chegar. Se não com a velocidade que desejamos, pelo menos sem os cavilosos estrabismos analíticos de incultos dirigentes incultos, falaciosos e falastrões. Olavistas irracionais.


Fernando Antônio Gonçalves é pesquisador social