1385 – UMA NOVA VISÃO DA ECONOMIA E ULTRAPASSAGENS
Passadas as eleições brasileiras de 2020, quando o eleitorado votou com ampla disposição cívica, as abstinências, votos nulos e brancos estando nos limites de uma obrigatoriedade de votar obsoleta e ridícula, parabenizo entusiasticamente o STE e os TREs pelo desempenho ótimo na organização, coleta e apuração rápida dos votos, dando exemplo para muitas democracias atarantadas com procedimentos similares. Diferentemente do que está acontecendo com o planejamento vacinal da Gente Brasileira, onde um apalermado ministro age sob comando de um alucinado mandatário.
O sucesso do TSE e dos TREs é uma oportuna pequena tapa de uva de pelica naqueles que nunca tinham refletido devidamente sobre as advertências de um famoso economista sueco, Gunnar Myrdal, que escreveu um livro pouco debatido nos meios “matematicóides”, “econometróides”, “fardadoides”, “escrotoides” e “estatisticóides” do Planalto.
Em tempos pandêmicos como os atuais, sem as binoculizações estratégicas que ensejem a efetivação da vacinação, uma recomendação feita pelo Myrdal em seu livro Teoria Econômica e Regiões Subdesenvolvidas, editado no Brasil pelo ISEB-Instituto Superior de Estudos Brasileiros do Ministério da Educação e Cultura, merece ser relembrada: “As políticas econômicas nacionais dos países subdesenvolvidos, particularmente nas primeiras etapas, devem dirigir-se contra os países mais ricos, com os quais têm eles mantido, tradicionalmente, estreitas relações econômicas, porque essas relações representavam um estado de dependência colonial ou quase-colonial, que deve acabar.”
A recomendação do Myrdal, um efetivo alerta diante da apatia que reina nas atuais diretrizes governamentais no campo da Saúde Pública, afastando o país de uma rota amplamente programática de planejamento sanitário.
Em consequência da conjuntura pandêmica, com uma capacitação acadêmica, na área econômica, realizada em escolas norte-americanas, onde a matemática, a econometria e as sofisticações estatísticas predominam nas teorias econômicas ministradas nas pós-graduações, a sociologia, a filosofia humanística, a antropologia social, a história e o empreendedorismo comunitário foram postos em planos pouco evidentes, favorecendo uma frágil estratégia governamental, sem uma mínima preocupação ambiental.
Diante de todo o acima exposto, após uma mais equitativa reestruturação planetária exigida pela pandemia da COVID-19, um fenômeno que alertou especialistas das diferenciadas áreas do conhecimento mundial para a adoção de enxergâncias criativas para amanhãs complexos, chegou a hora histórica de se elaborar novas políticas econômicas para países ricos e pobres, favorecendo uma integração mundial não suicida.
Precisamos de um sistema econômico mundial que leve todos a uma vida sustentável, com uma distribuição de renda menos execrável, sem depredações ambientais criminosas, onde se possa usufruir de uma existência pautada numa convivialidade saudável, sem elites nínimas trilionárias e uma gigantesca maioria sobrevivendo com apenas um pedaço de pão diário, sem cultura nem incentivos profissionais de qualquer espécie.
Para as mais variadas ultrapassagens pós COVID-19, nunca será tarde demais reler o paulista Oswald de Andrade: “Tivemos aqui um fenômeno curioso que foi o sucesso fulminante da obra de Gilberto Freyre, Casa Grande & Senzala. Eis aí um livro que muitas vezes eu tenho chamado de totêmico, isto é, um livro que apoia e protege a nacionalidade”.
Fazer o reconhecimento dos gigantes de fanfarria e dos seus nanicos neurônios é um imperioso dever. Desenvolver uma cultura da cidadania urge depressa. Para erradicar os mentalmente fanfas, os que apenas fingem ser.
Uma modernidade sadia deve reincorporar as vantagens das relações perdidas, dos gostos esquecidos e dos níveis culturais despedaçados por um consumismo imediato e asneirado pelos endinheirados de final-de-semana, presas fáceis dos magos espertalhões.
As economias como a brasileira enfrentarão prolongadas estagnações se não incrementarem a produtividade na área do conhecimento, sobretudo do setor humanístico. Elas não sobreviverão aos mais elementares obstáculos epistemológicos se não desenvolverem uma agressiva política cultural, erudita e popular, a primeira nunca debilóide, a segunda jamais com objetivos eleitoreiros.
Nós, repetidas vezes, ficamos muito seguros num aprendizado efetivado no passado. E sentimo-nos bem fundeados sobre coisas que aprendemos quando moços, perdendo, por isso, o bonde da história. Porque o bonde sempre está em movimento e com uma velocidade cada vez maior, a exigir efetivas reoxigenações.
A Universidade Brasileira somente sobreviverá se o nível de convivialidade entre os seus especialistas das áreas mais diversas for ampliado. Um docente que se preze não pode ser um especialista destituído de consistente cultura geral, como também não pode ser um generalista superficial.
Preguiça, ignorância e incompetência não são armas para quem busca transformações consequentes e duradouras. George Orwell costumava dizer que os jovens intelectuais de classe média vão para a esquerda por desemprego, sempre cobrando dos outros aquilo que não podem oferecer. Que os postulantes, veteranos e novatos, bem assimilem o ensinamento gramsciano: “Todo grande homem político não pode deixar de ser também um grande administrador, todo grande estrategista, um grande tático, todo grande doutrinador, um grande organizador”.
Tenho admiração pelos que possuem aquilo que Blaise Pascal definia como “esprit de finesse”. E que é diretamente proporcional ao asco sentido pelos que se imaginam muito acima das divindades, sócios de Deus, igualzinho aquele ajumentado cheio de reais que entrava nas igrejas de óculos escuros para Deus não lhe pedir autógrafo.
Juntemos as nossas migalhas de esperança. Vejamos os caminhos já percorridos e que não mais satisfazem. E verifiquemos as forças que nos restam, especialmente as que alicerçam a dignidade, para que possamos ingressar num novo futuro sem qualquer humilhação.
Fernando Antônio Gonçalves é pesquisador social