1377 – PROFISSIONAL PÓS COVID-19, METAMORFOSE AMBULANTE
O escritor independente Charles Handy, um dia, contemplou uma escultura em Minneapolis, Estados Unidos, intitulada Sem Palavras. De autoria de Judith Shea, uma artista plástica, ela retratava uma ereta capa de chuva de bronze, sem ninguém dentro, simbolizando nosso mais premente paradoxo, um alerta para todos:
“Não fomos destinados a ser uma capa de chuva vazia, ou meros quantitativos de uma folha de pessoal, tampouco simples personagem de um cenário econômico ou social.”
Aquela obra de arte lançava um desafio: o de que os paradoxos do nosso tempo necessitam ser controlados, cabendo a cada um de nós preencher aquela capa de chuva, favorecendo a emersão de uma civilização que represente vida para todos e vida em abundância.
O paradoxo tornou-se um lugar-comum em nossa época. Fazendo crer até que, quanto mais sabemos, mais confusos ficamos e quanto mais aumentamos a nossa capacidade de decidir, mais impotentes nos tornamos. A solução? Encontrar meios de tirar proveito dos paradoxos, usando-os para construir um amanhã de melhor nível qualitativo para todos. Uma tarefa que deverá ser coletivamente consolidada por intermédio de profissionais-multiplicadores, aqueles que sabem fazer a hora, nunca esperando acontecer.
No mundo contemporâneo, centenas de milhares de postos de trabalho desaparecem todos os anos. Paralelamente, nos últimos tempos, mão-de-obra barata tornou-se sinônimo de desinvestimento. Trabalhos padronizados não se encontram mais à disposição de todos. Tampouco os postos de trabalho duram para sempre, pois, nos tempos de agora, nada mais incerto do que um emprego tido e havido como garantido. O desafio para todo profissional, nesta e nas próximas décadas pós pandemia, para assegurar uma nunca estável sobrevivência, é o de saber eficazmente conciliar os 4F com os 4P da terminologia inglesa: Family, Friends, Festivals and Fun (família, amigos, festas e diversões) com Profity, Performance, Pay and Productivity (lucro, desempenho, pagamento e produtividade). Bem engendrada, tal combinação seguramente favorecerá o caminhar profissional daqueles que, inconclusos sempre, percebem que nada do que foi será, de novo do jeito que já foi um dia, do repertório do Lulu Santos.
O historiador norte-americano Al Gore, consagrado internacionalmente, afirmou certa feita: Construímos um mundo falso de flores plásticas. E a principal sequela desta constatação tornou-se muito visível nos tempos últimos: um descaso total pela vida humana, um menosprezo pelo desenvolvimento intelectual e uma violência anônima sem precedência.
Conviver com os paradoxos do tempo contemporâneo não parece ser nada fácil. Imagine, por exemplo, andar em uma floresta escura, em noite sem luar. Ninguém prevê o futuro, muito embora se possa estabelecer prognósticos sobre o que se passará daqui a algum tempo, com uma precisão bastante razoável, mesmo diante das inúmeras incertezas e desafios múltiplos. Para isso, deve-se fornecer alternativas várias, cabendo a cada um decidir em que navio zarpar e de que forma desejaria chegar a determinado porto preestabelecido. Se uns poucos vivem em casulos de riqueza e outros habitam guetos de miséria absoluta, não é salutar prognosticar o futuro como pacífico, muito embora esperar a chegada de um líder redentor seria a mesma coisa que ficar desiludido para todo o sempre.
Para todos, uma questão tida e havida como oportuna: quais deveriam ser as características de uma pessoa talentosa diante das mutabilidades contínuas que estão se verificando velozmente no mundo inteiro? Explicito as mais notáveis – todas elas interdependentes e intercomplementares –, certo de estar favorecendo a caminhada dos empreendedores criativos, encarecendo aos veteranos um alerta geral nos seus relacionamentos múltiplos:
- Nunca esmorecer a capacidade de ser permanentemente um curioso, um perguntador, sempre desenvolvendo novas habilidades e despertando novos interesses.
- Encarar a Vida como uma missão, jamais a entendendo como uma carreira.
- Conhecer bem as fontes nutrientes e as energias geradoras, sempre preservando a individualidade, sem resvalar para atitudes individualistas, suicidas sob todos os vieses profissionais.
- Desenvolver um “savoir-faire”, cultivando o humor, permanecendo otimista sem jamais reagir compulsivamente diante de atitudes negativas ou extemporâneas. Jamais tripudiar sobre as fraquezas dos outros e ter consciência da capacidade de perdoar e/ou esquecer ofensas alheias.
- Manter-se constantemente atualizado em relação a assuntos e cenários mais recentes, sendo socialmente ativo, possuindo amigos e uns poucos confidentes.
- Saber rir de si mesmo, dimensionando, sem exageros positivos ou negativos, o seu próprio valor. Perceber as similaridades e as diferenças em cada uma das situações enfrentadas. Aceitar elogios e culpas de forma equilibrada, sem reações impulsivas. E enxergar o sucesso no fracasso, por mais penoso que ele tenha sido.
- Saber contemplar rostos antigos de maneira nova e velhas cenas como se a primeira vez fosse. Redescobrir pessoas a cada encontro, interessando-se por elas, jamais rotulando-as com base em sucessos ou fracassos passados.
- Saber fazer uso da força conjunta, acreditando nas capacidades alheias, nunca se sentindo ameaçado pelo fato de os outros serem melhores.
- Aprender a separar as pessoas dos problemas, não disputando posições e exercendo a liderança por natural manifestação da maioria.
- Exercitar regularmente as quatro dimensões da personalidade humana: a física, a mental, a emocional e a espiritual, orientando-se para as soluções criativas, sem resvalar para irresponsabilidades doidivanas.
- Jamais se esconder sob o manto da resignação, consciente de que ele é o hospedeiro maior da mediocridade.
- Renunciar às alternativas perfeccionistas, reconhecendo todas elas como estratégias de protelação.
E deve-se acrescentar, ainda, complementando as características acima, que ninguém pode prescindir de três balizamentos norteadores salutares, tal qual um pano de fundo sempre visível: afastar-se da rotina, enfrentar o desconhecido e motivar-se para adquirir novos saberes. Diretrizes capazes de resistir à tentação do ótimo, sem qualquer dúvida o maior inimigo do bom. Sem nunca perder a convicção de que o justificatório, o lamentatório, o comparatório, o esperatório e o protelatório são os principais componentes patológicos das depressões profissionais da atualidade.
Fernando Antônio Gonçalves é pesquisador social