1374 – PROPOSTAS PARA O ENSINO SUPERIOR


Quatro parágrafos de um Posfácio à Edição Brasileira de livro recém lançado – O Naufrágio das Civilizações, Amin Maalouf, São Paulo, Vestígio, 2020, 253 p. -, relacionados com a COVID-19, me impressionaram deveras. Ei-los:
“Teremos que esperar para avaliar todas as consequências do que estamos sofrendo. Mas já se pode dizer sem medo de errar, que os eventos deste ano não serão esquecidos tão cedo.”
“A pandemia atual representa, de alguma forma, um stress test para todos os países do planeta. Como nos precaver se, no futuro, tivermos que enfrentar outras ameaças mortais, causadas por conflitos armados, atentados em massa, acidentes nucleares ou catástrofes climáticas? Que mudanças teremos que operar em nosso comportamento, em nossos hábitos ou nas relações com nossos congêneres, próximos ou distantes?”
“É razoável supor que o papel do Estado como protetor dos governos reencontrou, de uma hora para outra, uma legitimidade que parecia ter perdido. … Passado o crash atual – como aconteceu no pós-1929 -, será inevitável conceber um New Deal de grande amplitude que somente as autoridades governamentais terão os meios de financiar e controlar”.
“Mas não foram os emissários do liberalismo econômico que viram sua credibilidade manchada pelo “grande medo de 2020”. É o Ocidente, em sua totalidade, que emerge dessa batalha ferido, maltratado e desconsiderado. Porque não mostrou nem liderança global nem eficácia técnica. Quando a humanidade inteira se sentiu ameaçada – e buscou, desesperadamente, ser tranquilizada, reconfortada, sustentada, guiada -, nem mesmo os Estados Unidos nem a Europa estiveram à altura de corresponder. Ao contrário, mostraram-se atolados, desamparados.”
E uma advertência mais profética quem faz é um historiador israelense, Yuval Noah Harari, num livro também recentemente lançado no Brasil pela Companhia Da Letras, Notas sobre a pandemia e breves lições para o mundo pós-coronavirus:
“Hoje, de modo ainda mais agudo que em março de 2020, estamos cientes da necessidade da cooperação internacional, da falta abissal de lideranças globais, do risco representado por demagogos e ditadores e do perigo das tecnologias de vigilância.”
Diante das reflexões emergidas dos parágrafos acima, vários questionamentos logo se apresentam em nosso interior de apaixonado pelo ensino superior:
1. Será que é possível criar organizações de esino superior livres das patologias que aparecem tão frequentemente nos ambientes de trabalho do terceiro grau?;
2. Como fazer um ensino superior sem as bolorentas bur(r)ocracias que impossibilitam um pensar criativo e dinâmico, apto para a efetiva edificação de uma consciência crítica através da produção e transmissão de conhecimentos profissionalizantes eivados de um humanismo amplamente desabestalhador?;
3. Como tomar decisões efetivas em tempo de crise, sem protelações nem acomodações espúrias?
4. Como instituir espaços reflexivos entre as diversas áreas de uma instituição de ensino superior?
5. Como combater as principais viroses que atrofiam, atualmente e cada vez mais, o ensino superior: a carimbologia, o democratismo, as nostalgias ideológicas, o proselitismo patológico, o tratamento majestático dos dirigentes, e a crescente inculturação docente, hoje voltada para saberes apenas específicos sobre áreas cada vez mais diminutas?;
6. Como estabelecer preocupações sistemáticas com o meio ambiente comunitário, favorecendo iniciativas empreendedoras cidadanizadoras?
7. Como estabelecer parte da oferta das disciplinas pelo sistema online, possibilitando uma complementariedade acadêmica?
8. Como dinamizar as bibliotecas, fortalecendo pelo empréstimo uma sistemática complementação documental?
Creio que, após a pandemia dominada, poderemos instituir na Universidade de Pernambuco que tanto amo, um mensal SPAU – Seminário Permanente de Assuntos Universitários, onde temas os mais promissores temas seriam debatidos, através de um expositor e dois comentaristas, aberto á comunidade, na Faculdade de Direito e Administração ou em local mais apropriado. Uma oportunidade de reavivar a reflexão e a criatividade metodológica acadêmica, proporcionando uma busca sistemática por ensino superior de cada vez mais qualidade 21.
Atentemos para o que proclama, num dos editoriais da Folha de São Paulo de sábado 26, intitulado O Problema da MEC: “Declarações de Milton Ribeiro revelam mais um ministro despreparado para desafios da educação.”
Deixemos de lado, os estrabismos ministeriais e preocupemo-nos mais com os nossos próprios alicerces cognitivos regionais, favorecendo a emersão de muitos novos talentos, reverenciando aqui Gilberto Freyre, Joaquim Nabuco, João Cabral de Mello Neto, Graciliano Ramos, Hélder Câmara, Zumbi dos Palmares, Vitalino, Câmara Cascudo, Gonçalves Dias, Newton Maia, Frei Caneca, Celso Furtado, Delmiro Gouveia, Ariano Suassuna, entre outros tantos inesquecíveis dos nossos ontens memoráveis.
Respeitemos a nossa juventude sem populismos, nem burocratizações, mas oferecendo-lhe alicerces acadêmicos concretos capazes de servir de farol para amanhãs bem mais humanísticos que os atuais.


Fernando Antônio Gonçalves é pesquisador social