1373 – OS Q’S DA CIDADANIA CRISTÃ 21


Diz o Eclesiastes que “para tudo há uma ocasião certa; há um tempo certo para cada propósito debaixo do céu: tempo de nascer e tempo de morrer, tempo de plantar e tempo de arrancar o que se plantou, tempo de matar e tempo de curar, tempo de derrubar e tempo de construir, tempo de chorar e tempo de rir, tempo de prantear e tempo de dançar, tempo de espalhar pedras e tempo de ajuntá-las, tempo de abraçar e tempo de se conter, tempo de procurar e tempo de desistir, tempo de guardar e tempo de jogar fora, tempo de rasgar e tempo de costurar, tempo de calar e tempo de falar, tempo de amar e tempo de odiar, tempo de lutar e tempo de viver em paz” (Ec 3,1-8).
Para sabermos em quais tempos devemos atuar, para bem entendermos as múltiplas intervenções de Deus na Criação, através do seu Filho Amado, é necessário balizar-se segundo a explicação dada pelo apóstolo Paulo acerca da evolução do ser humano, diante das aparências passageiras do mundo (1Cor 7,31), posto que “quando alguém julga ter alcançado o saber, é porque ainda não sabe onde está o verdadeiro conhecimento” (1Cor 8,2). E ele próprio, na sua primeira carta aos coríntios, reconhecia que “quando eu era menino, falava como menino, pensava como menino e raciocinava como menino” (1Cor 13,11), deixando, tornado adulto, as coisas próprias de criança.
Entretanto, para se alcançar uma cidadania cristã que seja suficientemente forte para alavancar a própria fé na direção de um ver-julgar-e-agir capaz de bem cumprir a missão que nos foi por Ele destinada, não se deve perder de vista, mais uma vez, a recomendação de Paulo: “se a sua linguagem não se exprime em palavras inteligíveis, como se poderá compreender o que vocês dizem? Estarão falando ao vento” (1Cor 14,9)
Alguns Q’s, desenvolvidos equilibradamente por cada um, são de muita utilidade na vida do cidadão cristão XXI. São eles: o QI – Quociente de Inteligência, o QE – o Quociente de Emocionalidade, o QC – Quociente de Criticidade, o QA – o Quociente de Adversidade; o QV – Quociente de Visibilidade; o QR – Quociente de Resistência e o QP – Quociente de Politização.
O apóstolo Paulo soube muito apropriadamente utilizar os sete Q’s acima na divulgação da mensagem do Filho de Deus, os seus ensinamentos se baseando em quatro grandes vertentes: Jesus é descendente de Davi (Rom 1,3; 2Tim 2,8); encarna o poder de Deus, explicitado através dos seus milagres (2Cor 13,4); as perseguições e morte ratificam a tese do servo que padece, anunciada pelos profetas; e sua ressurreição é prova definitiva de sua divindade.
As citações paulinas abaixo, todas retiradas das suas epístolas, retratam os diferenciados Q’s por ele utilizados. A cada leitor competirá classificar cada citação num dos quocientes acima listados. Ei-las:
– “Nós judeus, somos por acaso superiores? De jeito nenhum!” (Rom 3,9)
– “Dei leite para vocês beberem, não alimento sólido, pois vocês não o podiam suportar. Nem mesmo agora o podem, pois ainda se deixam levar por instintos egoístas” (1Cor 3,2s)
– “O Reino de Deus não consiste em palavras, mas em poder” (1Cor 4,20)
– “Rezarei com o meu espírito, mas rezarei com a minha inteligência” (1Cor 14,15)
– “Quem semeia com mesquinhez, com mesquinhez há de colher; quem semeia com generosidade, com generosidade há de colher” (2Cor 9,6)
– “Não me julgo nem um pouco inferior a esses super-apóstolos. Eu posso não ser um orador eloqüente; contudo tenho conhecimento” (2Cor 11,5)
– “Se alguém pensa que é importante, quando de fato não o é, está enganando a si mesmo” (Gl, 6,3)
– “Examinem tudo e fiquem com o que é bom” (1Ts, 5,21)
– “Existem dons diferentes, mas o Espírito é o mesmo: diferentes serviços, mas o Senhor é o mesmo: diferentes modos de agir, mas é o mesmo Deus que realiza tudo em todos” (1Cor 12,4)
– “É aos maduros na fé que falamos de uma sabedoria que não foi dada por este mundo, nem pelas autoridades passageiras deste mundo” (2Cor 2,6)
O que mais se admira em Paulo é a sua altivez nunca orgulhosa, seu desvitimismo, seu descoitadismo, sua máscula paixão pela causa do Cristo, apesar de não O ter conhecido em vida. Fato que, entretanto, nunca intimidou sua autoclassificação de apóstolo superior, quando “Deus me separou desde o ventre materno, e me chamou por sua graça” (Gl 1,15), somente tendo conhecido pessoalmente Pedro três anos depois das primeiras pregações. Ele mesmo confessa que perseguiu os convertidos em Cristo, mas também não esconde que trabalhou mais que todos eles (1Cor 15,10), correspondendo ao ideário d’Aquele que, “depois de todos, foi visto também por mim, um nascido fora do tempo” (1Cor 15,8).
A partir de alguns paradigmas, pode-se implementar e/ou acelerar uma cidadania cristã que agregue valores sociais e espirituais através de uma convivialidade comunitária que permita a construção de cenários condizentes com a dignidade humana. Eis alguns deles, a título de fraternal provocação:
a. Comece devagarzinho, mas comece, enfatizando a descoberta de novos caminhos, as eternas lamentações sendo apenas um dos menores motes para os desafios;
b. Lembre-se sempre que o valor maior está no envolvimento pessoal, no relacionamento e na influência para fazer as coisas acontecerem;
c. Jamais se deixe influenciar pela sensação de ser apenas uma agulha no palheiro;
d. Uma cabeça crítica é bem melhor que uma mente saudosista;
e. Experimente dar o primeiro passo, nem que seja para visitar uma escola pública, ou promover um encontro com as famílias dos empregados, ou participar das discussões de algum seminário, direta ou indiretamente relacionado com o tema Evangelização;
f. Evite “gastar todo o seu gás”, pesquisando como fazer uma ideia germinal tornar-se concreta, cansando-se antes do primeiro passo;
g. Observe com mais atenção o que está acontecendo no seu derredor social, descobrindo as potencialidades dele.
h. E nunca se olvide da oração de Jabez: “Abençoa-me e dá-me muitas iniciativas e empreendimentos.”
Orar é agir e atuar na vida, eis um dos motes utilizados pelos nunca acomodados. Para os que desejam que Deus aja em nós e por nosso intermédio. Para os que buscam modificar-se para poder mudar as coisas dos seus derredores. Para os que desejam manter-se integralmente vivos num contexto cada vez mais vazio de uma espiritualidade libertadora.
Não se deve apreciar as formas caducas de oração, muito embora radicalmente se defenda o direito de cada um manifestar-se como bem quiser e entender. Entretanto, algumas “orações” afastam os mais jovens, desestimulam os mais franzinos na fé, esvaziam missões e enriquecem alguns “sabidos”, mestríssimos em manter os mais débeis em cativeiro sentimental de quarto sem porta.
A cidadania cristã deve, a todo instante, saber separar o joio do trigo da Religião professada por cada um. Como ressalta destemidamente Hans Küng, “a crença em Deus foi e é decerto frequentemente autoritária, tirânica, reacionária. Pode produzir medo, imaturidade, limitação, intolerância, injustiça e abstinência sexual. Pode legitimar e inspirar imoralidade, males e guerras no seio de um povo ou entre povos. Porém, nesta última década a crença em Deus mostrou-se de novo progressivamente libertadora, orientada para o futuro e filantrópica. A fé em Deus pode propagar confiança na vida, maturidade, generosidade, tolerância, solidariedade, engajamento criativo e social e pode fomentar a renovação espiritual, reformas sociais e a paz mundial”
Ao cristão cidadanizado caberá implementar, sob as Graças d’ELE, sua própria caminhada em comunidade, competindo às Igrejas favorecer a disseminação de uma evangelização libertadora sem escapismos nem nostalgias, buscando destemida e incansavelmente proclamar, para ninguém mais esquecer, a verdade que para sempre liberta. (Jo 8,32)


Fernando Antônio Gonçalves é pesquisador social