1366 – POR UM BRASIL CULTURALMENTE GIGANTE
Em Alice no País das Maravilhas, Lewis Carroll retrata um diálogo de Alice com o Gato Careteiro que muito bem pode representar a importância de se determinar como se deve proceder diante dos rumos oferecidos pelo mundo acometido pela COVID-19. Ei-lo:
– Pode dizer-me que caminho devo tomar?, perguntou Alice
– Isso vai depender do lugar para onde quer ir, respondeu o Gato.
– Não tenho destino certo, disse Alice.
– Nesse caso, qualquer caminho serve, disse o Gato
– Contanto que eu chegue a algum lugar, retrucou Alice
– Qualquer caminho conduz a algum lugar, se você andar bastante e chegar, arrematou o Gato.
Podemos definir Cultura como “um complexo de padrões de comportamentos, hábitos sociais, significados, crenças, normas e valores selecionados historicamente, transmitidos coletivamente, e que constituem o modo de vida e as realizações características de um agrupamento humano”.
A Cultura também pode ser vista, metaforicamente, como um tipo de LENTE através da qual as pessoas vêm o mundo e que as leva a considerar o seu modo de vida como o mais natural. A cultura também atua como fator de diferenciação social.
Os desafios culturais da conjuntura pós COVID-19 serão os seguintes:
a. Conviver com penso criativo.
b. Saber bem diferenciar um código restrito de um código elaborado. A linguagem da classe trabalhadora (código restrito) é presa ao contexto, contendo significados particularistas, enquanto a linguagem da classe média (código elaborado) é liberada do contexto, contendo significados universalistas.
c. Possuir uma visão de bailarino (conhecer a música, saber dançar e sempre se articular com os seus derredores)
d. Ser dotado dos cinco Qs: QI (Quociente de Inteligência), QC (Quociente de Cognitividade), QE (Quociente Emocional), QA (Quociente de Adversidade) e QP (Quociente de Politização)
Em Toritama, Pernambuco, um auxiliar de medicina-farmacêutica de nome Marcolino Revoredo da Silva, chamado de Doutor Marcolino pela vontade popular e tornado personagem-título de obra memorável do médico-escritor José Nivaldo, notável homem de letras e remédios. Alertas do Doutor Marcolino:
“A luz do saber é misteriosa. Cada um consegue aprender com o seu pensar, fazendo medida, averiguando”;
“De doutor a qualquer zé-ninguém a vida é de luta. Não se espere viver no remanso, sem controvérsia”;
“A doutor nunca cheguei nem podia chegar porque para tanto se precisa grudar os olhos nos estudos da Faculdade. Simplesmente tangi com as leituras a escuridão da ignorância fazendo aprendimento que sempre gostei, quase mais ou menos. Bastante aprendi nos tralalá, maneira regozijosa de trazer pra frente do tempo o que a ciência do povo aprendeu no muito pra trás”.
Outros reflexões do Doutor Marcolino também perambulam por todo Nordeste, auxiliando o enxergar de muita gente:
“Não é fácil saber-se o certo. Botar-se o sim e o não nos seus lugares é arte de ponderação”;
“Ciência é ciência, aparência é o avesso que pode se descoser”;
“O pau entorta na ganância de mais sol”;
“Toda novidade tem preferência, que pode tapear os incautelosos”;
“O ótimo não é obrigado a ficar sempre junto do bom”.
Nos atuais tempos conjunturais pandêmicos, mudança é a palavra chave. Significa inovação e sobrevivência. Uma série de fatores emergem num contexto de aceleradas transformações: tecnologia, redes sociais, zapzap, lives, Internet, delivery, terceirização, globalização, privatização, reformas do governo, alterações mercadológicas, novas estruturas organizacionais, reeducação profissional, avalanche de informações (verdadeiras e falsas), atmosfera de confusão, tensão, ansiedade, medo, tumulto, desemprego, múltiplas pressões individuais (ser melhor, trabalhar melhor, preparar-se melhor, sobrecarga de trabalho, sobrecarga de informações, prazos e resultados, trabalhos on line, concorrência profissional).
Quais são as principais causas das mudanças atuais? Eis as principais: as políticas do governo, novas leis, mudanças nos hábitos populacionais, novas preferências dos clientes e consumidores, novos sistemas de gestão, a informatização empresarial.
Todas as mudanças oferecem resistências: insegurança (trocar o certo pelo duvidoso), desconforto / tensão (não incorporação imediata ao pensamento e ao subconsciente) e bloqueio (não ao consciente projetado, em forma de boicote, sabotagem ou operação tartaruga, bloqueios psicológicos, quando não se consegue assimilar as novas situações).
O filósofo Heráclito, 500 a.C., já proclamava: “A única coisa permanente é a mudança”. E o filósofo Bertrand Brecht também concordava: “É preciso mudar o mundo. Depois será preciso mudar o mundo mudado”.
Oferecemos, abaixo, um pequeno glossário, para que todos possam entender melhor os novos paradigmas civilizatórios que estão emergindo neste século XXI:
Crença – a compreensão que damos como certa e que serve de base para o nosso entendimento das coisas. Arraigadas, tornam-se dogmas.
Valores – noções compartilhadas que as pessoas têm do que é importante e acessível para o grupo a que pertencem.
Pressupostos – conjecturas antecipadas ou respostas prévias sobre o que é, o que se faz, o que acontece.
Normas – são o senso comum que uma empresa ou conjunto de pessoas tem sobre o que é certo ou o que é errado, e como devemos nos comportar diante de uma determinada situação.
Símbolo – expressão substitutiva destinada a fazer passar para a consciência, de modo figurado, conteúdos complexos ou de difícil decodificação.
Heróis – modelos de uma forma de pensar e agir, próprios da cultura que os engendra.
Mito – um esquema lógico, criado para explicar questões e esclarecer fenômenos, cujo sentido é difuso e múltiplo.
Estórias – narrativas baseada em eventos reais misturados com ficção.
Ritos – atividades de natureza expressiva, desenvolvidas com o propósito de reiterar crenças e propósitos.
Duas indicações bibliográficas para alicerçar as atuais e futuras binoculizações:
OBSERVAÇÕES SOBRE UM PLANETA NERVOSO, Matt Haig, Rio de Janeiro, Intrínseca, 2020, 304 p.
ELÁSTICO: COMO O PENSAMENTO FLEXÍVEL PODE MUDAR NOSSAS VIDAS, Leonard Mlodinow, Rio de Janeiro, Zahar, 2019, 300 p.
Dois textos, amplamente didáticos, que muito favorecerão novas aprendências, comportamentais, empreendedoras e emocionalmente sadias, sem confundir haras com Aras, também com posturas de cavalo.
Fernando Antônio Gonçalves é pesquisador social