1359 – RECOMENDAÇÃO PÓS COVID-19


Diante da pandemia gigantesca que ainda agride o todo mundial, recebo um e-mail de amigo sulista muito querido, inteligência muitos furos acima dos atuais índices mediocrais societários, políticos, midiáticos e religiosos. Em determinado trecho, ele escreve: “Estou muito cansado, muito cansado mesmo e nada mais que venha da Vida ou de Deus me importa”.
Amando-o fraternalmente ainda mais, posto que gosto de ser solidário com os que estão depressivos, enviei-lhe uma resposta, citando Albert Einstein, procurando uma explicação parcial da apatia existencial revelada na correspondência. Diz o Nobel de Física, inteiramente despido dos orgulhos e imodéstias dos encharcados de hipocrisias e falsidades: “O mistério da vida me causa a mais forte emoção. Este sentimento suscita a beleza e a verdade, cria a arte e a ciência. Se alguém não conhece este sentimento ou não pode mais experimentar espanto ou surpresa, já é um morto-vivo e seus olhos se cegaram. Aureolada de temor, é a realidade secreta do mistério que constitui também a religião… Deste modo e somente deste modo, sou profundamente religioso”.
Aproveitei a conjuntura existencial do amigo querido, também lhe remeti a reflexão de um poeta que muito admiro, o Fernando Pessoa, que era possuidor de “uma religiosidade não definida, e visionária, de um acontecer mítico cuja significação se inscreve fora dos próprios acontecimentos em que se exemplariza”, segundo a ensaísta Maria Aliete Galhoz, uma analista do gênio lusitano que morreu quase totalmente ignorado pelo público lisboeta, que à época se extasiava com os textos de inteligibilidade primária da lírica de então. Disse o poeta: “Tivesse Quem criou / O mundo desejado / Que eu fosse outro que sou / Ter-me-ia outro criado”… “Sejamos simples e calmos, / Como os regatos e as árvores, / E Deus amar-nos-á fazendo de nós / Belos como as árvores e os regatos, / E dar-nos-á verdor na sua primavera, / E um rio aonde ir ter quando acabemos!” … “Anjos ou deuses, sempre nós tivemos, / A visão perturbada de que acima / De nós e compelindo-nos / Agem outras presenças”… “Quanto mais alma ande no amplo informe, / A ti, seu lar anterior, do fundo / Da emoção regressam. Ó Cristo, e dormem / Nos braços cujo amor é o fim do mundo”
Também encaminhei para o amigo uma outra reflexão do luso notável, autor do sempre à minha cabeceira Livro do Desassossego: “Para vencer – material e imaterialmente – três coisas definíveis são precisas: saber trabalhar, aproveitar as oportunidades e criar relações. Sem jamais esquecer o ensinamento de Luiz Lira, outro amigo meu e professor da Universidade Federal Rural de Pernambuco, uma personalidade especialíssima: “Feliz do Ser Humano que tem o dom da arte. Arte é a energia do amor materializada. Não se deve jogar fora essa dádiva.”… “A alegria é uma aliada do amor. Dê alegria, use essa energia que dissolve o medo. Sorrir é o melhor remédio. Aprenda com as crianças o que você esqueceu. Seja puro sem ser tolo. Não importa que os outros pensem que você é inocente. Seja como uma criança sempre disposta a sorrir”.
Aproveitei o e-mail enviado e anexei para o amigo em crise um afoito poema por mim escrito há alguns anos: Busquei intensamente e me percebi / Pulsando sobre o tudo que amava / Louvando até não mais quase sentir / As amarras sobre as quais trilhava; Achei o que jamais perdi / O encanto de ter, aberta a porta / Desenho belo de amanhã que vi / De amor intenso, que a dois reporta; Luz intensa, marca-compromisso / Calor inteiro atapetando além / Sempre integralmente em paz; Caminhar em tempo algum demisso / Ultrapassando sem nenhum desdém / Os ontens vividos, sem olhar pra trás.
Sabendo ser o amigo desiludido portador de uma religião desvinculada de uma espiritualidade exigida para os enfrentamentos contemporâneos, ousei indicar-lhe uma leitura restauradora para a época junina, que se avizinha. Textos que me proporcionam frequentes releituras binoculizadoras diante dos desafios planetários dos amanhãs que se aproximam:
O FUTURO DAS HUMANIDADES – CIÊNCIAS HUMANAS DESAFIOS E PERSPECTIVAS
Jeilson Oliveira , Ericson Falabretti (orgs.)
Caxias do Sul RS, Educs, 2019, 269 p.
Ousei chamar a atenção do amigo para a dedicatória do livro citado: “Dedicamos este livro a todos(as) os(as) estudantes de ciências humanas, cuja vocação é o pensamento e cuja meta é a virtude. Que as intempéries do tempo e as adversidades da hora não afetem seu pendor e entusiasmo.”
Os autores reconhecem que escrever é uma forma de expurgar seus próprios incômodos. E que todo livro nunca sectário de Ciências Humanas é um manifesto de esperança, uma convocação indispensável para resistir às arbitrariedades dos que se imaginam os únicos escolhidos por Deus.
Desejo plena existencialidade comportamental para o amigo sempre presente em minha memória caminheira.


Fernando Antônio Gonçalves é pesquisador social