1351 – UMA BÍBLIA LAICA
Com inspiração nas escrituras cristã e judaica, também no Alcorão, em outros livros sagrados das grandes religiões e em reflexões imortais de pensadores dos ontens históricos mundiais, a editora Objetiva lançou recentemente O Bom Livro, de A.C. Grayling, professor de Filosofia na Universidade de Londres. Uma bíblia laica, destinada a “ajudar e guiar, sugerir, instruir, advertir e consolar; acima de tudo, erguer a luz da mente e do coração humano diante das sombras da vida”.
Diz a contracapa do livro: “ao modernizar e laicizar a Bíblia, o filósofo britânico mais lido da atualidade nos desafia a responder a uma das questões centrais da sua obra: num mundo cada vez mais laico, o que significa, hoje, Ser Humano?” O livro foi estruturado como a própria Bíblia. Os 14 livros que o constituem provém de mais de mil textos escritos por inúmeros sábios, literatos e artistas do Ocidente e do Oriente, desde a Antiguidade até o limiar do século passado. Neles estão ideias, conselhos, relações humanas, tragédias, desejos, amor e dor. Sem explicitar autorias, caberá a cada leitor usufruir os ensinamentos colecionados, não sendo induzido por qualquer autor. Todos eles escolhidos com uma finalidade única, acima explicitada.
Diante de um grupo de meditação transreligioso que frequento, atualmente cada um no seu canto eletrônico, a cada um deles, somos dezoito, foi dada a incumbência de escolher as reflexões que mais sensibilizaram os interiores de cada um, oferecendo-as para o fortalecimento de uma paz mundial duradoura, onde a distribuição das riquezas seja a menos desigual possível. Eis as vinte escolhas vencedoras, depois de quase uma semana de peneiramento e uma diária prévia oração adenominacional:
1. Ação é fruto do conhecimento de grandes mentes, não precisando de trombetas.
2. Pior do que não ter ensino é ter um mau ensino, mal ensinando quem tudo ensina.
3. Quem se elogia se deprecia e elogio imerecido é sátira.
4. Poderoso é aquele que vence a si mesmo, rico é aquele que se satisfaz com o que tem, honrado é aquele que honra os outros, mas sábio é aquele que aprende com todos os homens.
5. Não desejes que pensem que sabes alguma coisa; e mesmo que aparentes ser importante aos outros, desconfia de ti mesmo.
6. O honesto não disputa a todo custo.
7. O que encurta a vida não são os anos curtos, e sim o curto conhecimento.
8. Lazer demanda bom uso do tempo: quanto mais preguiçoso, menos lazer; quanto mais disciplinado, mais lazer.
9. A escolha de assistentes é da máxima importância para o líder, e o valor daqueles é proporcional à faculdade de discernimento deste.
10. O tempo vence tudo e o ouro não compra o tempo.
11. Quando um país é bem governado, a pobreza e a condição humilde são coisas de se envergonhar.
12. Qual é a qualidade que se deve procurar como promessa de estabilidade e permanência na amizade? A lealdade.
13. A pobreza é mãe do crime.
14. O cargo mostra a pessoa.
15. Estômago que não conhece fome despreza comida simples.
16. Má companhia é como cachorro, suja mais a quem mais ama.
17. De nada vale a boa doutrina para o mau caráter.
18. Muitos encanecem, mas não melhoram.
19. O que leio diz quem sou; quem sou diz o que leio.
20. O sábio domina o seu espírito, o tolo é dominado por ele.
No final das discussões e debates, a fraternidade sempre comandando, foi lembrada uma das reflexões mais famosas do mais que notável Albert Einstein, balizadora de propósitos altaneiros: “Se os homens, como indivíduos, cedem ao apelo de seus instintos básicos, evitando a dor e buscando satisfação apenas para si próprios, o resultado para todo o seu conjunto é, forçosamente, um estado de insegurança, medo e sofrimento geral. Se, além disso, eles usam sua inteligência numa perspectiva individualista, isto é, egoísta, baseando suas vidas na ilusão de uma existência feliz e descompromissada, as coisas dificilmente podem melhorar. Em comparação com os outros instintos e impulsos primários, as emoções do amor, da piedade e da amizade são fracas e limitadas demais para conduzir a sociedade humana a uma condição tolerável”.
Cultivar amizade com pessoas de espírito elevado, ainda que de opiniões divergentes, eis ainda um grande mote revivificador. Admirar pessoas de pensamentos anti-nostálgicos, criadoras de uma atmosfera sadia, que abjuram ser donas da verdade, cultivando serenas apreensões, oxigenadoras de salutares estratégias de superação de situações conflituosas, faz civicamente muito bem.
Estejamos sempre aptos para destruir o comodismo e a estabilidade, os principais adversários da inovação, tratando com equidade direitos e prestígios individuais e coletivos. Reconhecendo que as vassouras novas, além de novas, devem estar de pelagem luzidia, sem pregos-esporões nem envesgados cavilosos, mesmo que travestidos de primeiro mandatário.
Fernando Antônio Gonçalves é pesquisador social.