1348 – ENFRENTANDO AMANHÃS INESPERADOS


Um amigo de trocentos anos, companheiro de estudos ginasianos, me telefonou recomendando a releitura de um livro por nós lidos na quarta série: A BESTA HUMANA, de Emile Zola. Segundo ele, uma leitura pra lá de oportuna para quem deseja bem entender as bosteiras pronunciadas por um mandatário brasileiro e seus filhotes trapalhões, em cadeia nacional e redes sociais, vilipendiando as recomendações dadas por autoridades mundiais da área de saúde, que orientam sobre um combate efetivo à atual pandemia mundial.
Prometi-lhe voltar às páginas de Zola, quando algumas outras indicações fossem devoradas, uma delas sobre gerenciamento do inesperado, um notável texto, uma análise brilhante sobre uma questão planetária: “Por que motivo nós, cientistas ou não, figurões ou caras comuns, tendemos a ver os centavos em vez dos dólares, concentrando-nos nas minúcias e não nos eventos significativamente grandes, reduzindo o conhecimento sobre o mundo, causando exacerbações inconsequentes e decisões precipitadas e pouco convincentes?” Em outras palavras: “Como procurar titica de passarinho, descobrindo a incerteza do impostor?”
Diante da curiosidade manifesta pelo Júnior, resolvi dar maiores detalhes sobre o que estou lendo com entusiasmo quase incontido:
A LÓGICA DO CISNE NEGRO: O IMPACTO DO ALTAMENTE IMPROVÁVEL
Nassim Nicholas Taleb
Rio de Janeiro, BestBusiness, 20ª. edição, 2019, 458 p.
E enviei para ele o sumário do livro:
Prólogo – Sobre a plumagem dos pássaros;
Parte I – A antibiblioteca de Umberto Eco, ou como procuramos validações: 1. O aprendizado de um cético empírico; 2. O Cisne Negro de Yevgenia; 3. O especulador e a prostituta; 4. Mil e um dias, ou como não ser um trouxa; 5. Confirmação coisa nenhuma!; 6. A falácia narrativa; 7. Vivendo na antecâmara da esperança; 8. A sorte infalível de Giacomo Casanova: o problema da evidência silenciosa; 9. A falácia lúdica e a incerteza do nerd.
Parte II – Nós simplesmente não podemos prever: 10. O escândalo da predição; 11. Como procurar titica de passarinho; 12. Epistemologia, um sonho; 13. Apelles, o pintor, ou o que você faz se não souber prever?
Parte III – Os cisnes cinzentos do extremistão: 14. Do mediocristão ao Extremistão; 15. A curva em forma de sino, a grande fraude intelectual; 16. A estética da aleatoriedade; 17. Os loucos de Locke, ou curvas na forma de sino nos lugares errados; 18. A incerteza do impostor.
Parte IV – Fim – 19. Meio a meio, ou como ficar com o Cisne Negro.
Epílogo: Os Cisnes Brancos de Yevgenia.
Glossário; Notas; Bibliografia.
O autor dedica-se a problemas relacionados à sorte, à incerteza, à probabilidade e ao conhecimento. Ele é Mestre e Doutor pela Universidade de Paris. E Decano de Ciências da Incerteza da Universidade de Massachusetts.
Segundo o The Guardian, “um estudo fascinante sobre como estamos constantemente à mercê do inesperado.” Eventos que possuem três características elementares: imprevisibilidade, resultados impactantes, tornado, após ocorrência, menos aleatório e mais explicável.
Um texto que ressalta a fragilidade dos nossos conhecimentos, onde apenas uma “gripezinha” pode invalidar pretensões majestáticas, arrogâncias cretinas e ambições políticas messiânicas.
Qual o objetivo do autor do livro?: abordar nossa cegueira em relação à aleatoriedade, particularmente os grandes desvios, ressaltando que “a vida é o efeito cumulativo de um punhado de choques significativos”. E ele conclui com muita propriedade: “A lógica do Cisne Negro torna o que você não sabe mais relevante do que aquilo que você sabe. … Observe sempre que a ocorrência de um evento altamente improvável é equivalente à não ocorrência de um evento altamente provável.”
No Glossário, alguns termos são explicados de modo bastante elucidativo, ensejando uma rápida identificação dos atores envolvidos na atual crise pandêmica mundial. Vejamos alguns:
Arrogância epistêmica – a diferença excessiva existente entre os que realmente sabem e o que alguém pensa que sabe. Um excesso que implica em déficit de humildade.
Epistemocrata – alguém com humildade epistêmica, que suspeita enormemente do próprio conhecimento.
Cegueira no futuro – incapacidade natural de levar em consideração as propriedades do futuro, que impede de considerar opiniões dos mais entendidos.
Estratégia barbell – método que consiste na adoção simultânea de uma atitude defensiva e de outra atitude excessivamente agressiva através da proteção de recursos de todas as fontes de incertezas.
Louco de Locke – alguém que raciocina rigorosa e impecavelmente a partir de premissas falhas.
Desdém do abstrato – favorecimento ao pensamento contextual diante de questões mais abstratas, que exigem posturas estratégicas consistentes.
Uma leitura que muito ampliará a enxergância sobre os pronunciamentos fingidos e bravateiros de alguns dirigentes nacional, das informações quantitativistas incompletas dos noticiários televisivos diários, das entrevistas merdálicas com os que anseiam uma aparecidinha nos informes midiáticos, dos descuidados que não sabem categorizar crenças emergentes de acordo com a plausibilidade delas, além dos informantes amplamente reconhecidos como “chatos de galocha”, como dizia a vó Zefinha, minha madrinha já eternizada.
A leitura atenta do livro facilitará muito saber bem identificar um nerd, diferenciando-o dos merds e bosters que estão nos jornais, rádios, televisões nacionais, palácios planaltinos, ministérios e Congresso Nacional, além de tribunais superiores e instituições religiosas, para não se estender demais neste final de texto.


Fernando Antônio Gonçalves é pesquisador social