1344 – PARA DEBATES RECONSTRUTORES


Diante do besteirol idiotizante que se agigantou nos últimos tempos no cenário brasileiro, onde atitudes as mais estapafúrdias se notabilizaram pelas vias internéticas, a mais espetaculosa delas foi aquela que aconselhava “fazer cocô dia sim, dia não para preservar o meio ambiente”, amigos que se reúnem mensalmente para um almoço fraternal resolveram se indagar sobre que leituras deveriam ser indicadas para debates que possibilitassem, sem bravatas, pieguismos religiosos, histerias abilolantes, posturas ideológicas sectárias extremistas e fajutadas messiânicas, a reconstrução socioeconômica do Brasil, até bem pouco um país respeitado internacionalmente, hoje motivo de pilhérias e charges nos quatro cantos do planeta, um quase continente encharcado de dirigentes dotados de incultas bocas frouxas, travestidos de mandatários.
Foi recomendado, depois de boas sugestões, a leitura atenta, quiçá grupal, de um livro recentemente editado pela LVM Editora: Lacerda: a virtude da polêmica, Lucas Berlanza, 2019, 336 p. Na Introdução, uma explicação segura do escritor Antônio Paim: “O Brasil já há muito convive com demagogos, populistas, falsários, vendedores de sonhos, que seduzem com seu palavrório eivado de jargões venenosamente simpáticos, direcionam a devoção e a ingenuidade do público em favor de seus projetos de poder”.
Um pouquinho além da metade do século XX, 1963, Carlos Lacerda escreveu com bravura e intrepidez: “esses agentes da mentira atuam como ventríloquos de si mesmos, obrigam-se a emprestar ideias e até gramática aos aventureiros e desonestos para os quais o comunismo, hoje, como ontem o fascismo, é um pretexto para tomar a carteira do público, enquanto o público, de nariz para cima, contempla, cintilante, a Ideologia”.
No livro, o autor Berlanza avalia o ex-governador da Guanabara: “É um ícone do conservadorismo e do liberalismo no Brasil, em sua luta contra o comunismo e o populismo autoritário; porém, mesclado, com alguns excessos e incongruências ao regime de 64, é apagado, defenestrado e diminuído, e muitos porta-vozes da direita moderna parecem ter extremo pudor em assumir qualquer inspiração nele, em fazer qualquer referência a ele”.
O objetivo do livro, ainda segundo Paim, é “mostrar que o lacerdismo não é nem de longe um bicho feio e obscuro que pintam e que a direita nacional pode colecionar referências no passado do próprio Brasil – sem o que será um esforço de transposição de teses estrangeiras pairando ineficazes sobre o mundo. É oferecer um primeiro antídoto contra a mentira e a tirania do silêncio imposto à sua memória, bem como ao espaço a ser merecidamente cultivado por seus admiradores”.
Sobre município, Lacerda assim se expressou: “No município se forma a consciência nacional. Atualmente, a União é rica, o estado é pobre e o município paupérrimo. É preciso inverter a ordem, tornar rico o município, dar-lhe força econômica e administrativa. Somente à base de um municipalismo autêntico será possível resolver nossos problemas”.
Se Lacerda vivesse hoje perceberia a imensa proletarização municipal da nação brasileira, armadilha que preserva a postura de mando de corruptos e demagogos, incompetentes e aproveitadores inclementes do erário público, através de oligarquias rurais, algumas fingidamente progressistas.
Carlos Frederico Werneck de Lacerda, um nascido em 30 de abril de 1914 no Rio de Janeiro, embora registrado em Vassouras, eternizou-se em 21 de maio de 1977, fulminado por um infarto do miocárdio. E o autor Lucas Berlanza assim o sintetiza: “O Carlos Lacerda serve de inspiração por seus erros, cometidos em geral em defesa das mesmas causas que hoje defendemos, para que não os repitamos; e também por seus acertos, os resultados positivos de sua batalha e sua disposição pela grandeza. … Para seguir adiante é olhar o que os grandes já fizeram e, diante deles, galgar novos degraus”.
A leitura do livro, com posteriores debates grupais serenamente explicitados, é vacina mais que efetiva contra os que se imaginam donos da verdade, que demagogicamente sugerem defecar dia sim, dia não, para favorecer o meio ambiente nacional.
Espero que todos, ao final da leitura em grupo, reverenciem George Bernanos, quando ele dizia que “nada no mundo se compara à cólera dos imbecis”.
Vale a pena também o grupo conhecer mais detalhes do passado planetário, evitando repetições futuras que ensombrearão os horizontes libertários historicamente soberanos, para gáudio de nossos descendentes. Para tanto, todos deverão dar uma vista d’olhos no texto memorável Era dos Extremos: o breve século XX (1914-1991), Eric J. Hobsbawn, São Paulo, Companhia das Letras, 1995, onde se encontra o seguinte texto: “As pessoas de classe média escolhiam sua política de acordo com seus temores. … As condições ideais para o triunfo da ultradireita alucinada eram um Estado velho, com seus mecanismos dirigentes não mais funcionando, uma massa de cidadãos desencantados, desorientados e descontentes, não mais sabendo a quem ser leais.”
Na atual conjuntura brasileira, tudo faz crer que a representação dos indignados estabelecerá as maiorias nas próximas eleições municipais, nos impulsionando para amanhãs talvez mais nobilitantes. Defenestrando as esquerdopatias e os messianismos sempre desnobilíssimos dos nunca comandantes.


Fernando Antônio Gonçalves é pesquisador social