1338 – UMA NARRATIVA BEM HUMORADA


Confesso que meu nível de satisfação existencial, depois da presepada nazista praticada pelo Roberto Alvim, demitido exemplarmente do cargo de Secretário de Cultura do atual Governo Federal, tornou-se de nível mais elevado diante de uma narrativa humoristicamente bem traçada através de um livro de filosofia que me provocou algumas horas de sadio contentamento: Uma Viagem pela Filosofia em 101 casos anedóticos, Nicholas Rescher, São Paulo, Editora Ideias & Letras, 2018, 416 p. O autor, membro da Academia Americana de Artes e Ciências, da Sociedade Leibniz da América do Norte, da Associação Filosófica Católica Americana e da Sociedade Metafísica da América, tornou-se o primeiro pensador a escrever algumas histórias que alguns filósofos contaram para lidar com temas de interesse filosóficos, questões de relacionados com verdade, conhecimento, valor, ação e ética., envolvendo lógica e epistemologia, ampliando compreensões que elucidam melhor complexos temas do pensamento. Segundo o professor de filosofia Robert Audi, Universidade Notre Dame, “o livro de Nicholas Rescher tem um alcance imensamente amplo, é altamente instrutivo e um deleite para qualquer pessoa interessadas em ideias, enigmas intelectuais e na amplitude da imaginação filosófica. O estilo narrativo envolvente convida à leitura pelo prazer; o alcance dá ao livro uma relevância sobre diversos telas filosóficos; e as próprias anedotas contribuem com ideias sobre temas de grande importância.”
O livro é desenvolvido em 5 partes: I – Da antiguidade ao ano 500 D.C.; II. Idade Média, 500-1500; III. Primórdios da modernidade, 1500-1800; IV. O passado recente, 1800-1900; V. A era corrente, de 1900 ao presente. E ele é muito bem desenvolvidos, sob os seguintes blocos temáticos: Epistemologia, Ética e Antropologia filosófica, Lógica e linguagem, Metafilosofia, Metafísica, Filosofia e Religião, e Sociedade e Política.
O autor explicita na Introdução: “Este é um livro de anedotas filosoficamente instrutivas escrito para pensadores filosoficamente sofisticados. Assim como uma prova matemática consiste em uma série de pequenos passos incrementais de argumentação, um percurso de raciocínio e reflexão filosóficos consiste em uma sequência de considerações, cada uma das quais é, em princípio, suficientemente pequena em escopo e escala para admitir ser examinada de uma maneira anedótica. … Uma anedota frequentemente serve para tornar vívido e memorável um ponto cujo desenvolvimento doutrinário de outro modo seria longo e tedioso.”
No capítulo 12, apenas servindo como amostra, intitulado A República de Platão, o autor ressalta que o texto do filósofo grego (428-347 a.C.) não é apenas a primeira obra filosófica realmente substancial, mas também uma das mais grandiosas. E reproduz recomendação do filósofo: “Devemos escolher dentre os guardiões os que observamos serem os mais cuidadosos durante todas suas vidas; que fazem com todo seu coração o que pensam ser vantajoso para a cidade. […] Eles devem ser observados desde a infância; devemos estipular-lhes testes nos quais um homem teria maiores chances de esquecer tal resolução ou ser enganado, e devemos escolher aqueles que têm boa memória e que não facilmente enganados, e rejeitar os outros […]. Então, quem quer que seja testado assim, na infância, na mocidade e na idade madura, e saia imaculado, deve ser estabelecido como governante e guardião da cidade; e devem receber honrarias enquanto vivos, e depois de mortos túmulos públicos e magníficos memoriais. […] Esses governantes devem manter-se vigilantes sobre os inimigos do exterior e sobre os amigos no interior, devem cuidar para que os amigos não desejem causar danos e para que os inimigos sejam incapazes de tal coisa”.
Segundo Platão, ninguém discordaria de boas leis com bons homens é algo muito bom, como más leis com homens maus é algo terrificante. Mas o que aconteceria nos casos mistos? Quem deveria ser prioridade, boas leis ou bons comandantes para operá-las? E os conflitos reais, como deveriam ser resolvidos? E se os Tribunais Superiores forem apodrecidos, o que aconteceria com a sociedade?
Encarecemos ao leitor amigo adentrar nas páginas do livro do Nicholas Rescher. E serenamente chegar ao capítulo 95, onde a filósofa inglês Philippa Foot (1920-2010) apresentou uma charada ética amplamente discutida: “Você está parado ao lado de um trilho, quando vê um bonde desgovernado vindo em sua direção. Claramente o condutor perdeu o controle. À frente há cinco pessoas atadas no trilho. Se você não fizer nada, as cinco serão atropeladas e mortas. Felizmente, você está ao lado de uma alavanca comutadora: girar esse comutador fará com que o veículo fora de controle siga por um trilho lateral, um trilho lateral, um trilho de manobra, logo à sua frente. Mas há uma dificuldade: no trilho de manobra você vê uma pessoa atada ao trilho. Desviar o bonde resultará inevitavelmente na morte dessa pessoa. O que você deveria fazer?”
Reflita demoradamente sobre uma pergunta operante: será que um agente moral é obrigado a assumir a responsabilidade causada por um mau resultado a fim de impedir um resultado que seja ainda pior para o esquema geral das coisas? Ou você sairia de mansinho da situação, cantando bem baixinho: “Se a vida me levar, me leva eu” ?
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Fernando Antônio Gonçalves é pesquisador social